Brasilidade deve ser meio, não fim


TEXTO: DARIO CALDAS,  revista AbcDesign #47

Para começo de conversa, o tema da identidade nacional é sempre delicado. Quando louvar a nação torna-se um fim em si mesmo, descambando para o ufanismo, as consequências podem ser desastrosas. Na esfera política, essa verdade é mais facilmente constatável, mas o argumento não é menos verdadeiro se aplicado ao design ou à moda. Aliás, em qualquer campo, o resultado da aplicação da ideia de identidade nacional terá sempre uma componente política.

Por isso, pus as barbas de molho com relação à onda do “Brasil grande” que vivemos nos últimos anos, especialmente diante da ideia de que o País está (ou estava) na moda. Se é inegável que a tal brasilidade ganhou o seu “momentum”, muito atrelado aos influxos do mercado financeiro global, preocupava-me muito mais o que aconteceria quando a maré virasse, como está ocorrendo agora.

A onda internacional favorável ao Brasil vai se dissipando para dar lugar ao que ela nunca deixou de ser: uma miragem ideológica, instrumentalizada pelo poder para vender a ideia de que tudo vai bem, só que não.

De qualquer modo, o “identikit” brasileiro evoluiu neste início de milênio, sobretudo do ponto de vista externo, e o design é um dos campos que tem mais espaço para explorar tais valores agregados à cesta do que define o “ser brasileiro”. Em certos casos, já o faz, mas pode fazer mais e melhor. Por exemplo, a imagem brasileira “para gringo ver” não se limita mais aos eternos clichês praia-futebol-e-carnaval.

A percepção de um país urbano e mais moderno, cuja maioria da população tem um nível de renda médio (em que pesem as controvérsias sobre a definição de “médio”), sem dúvida abre espaço para marcas e designers mais inovadores, menos atrelados a estereótipos. O imaginário ligado à natureza exuberante, outro dado da nossa identidade desde os tempos coloniais, ainda tem muito que evoluir para uma linguagem mais moderna, incluindo a de um País que pode ser líder em desenvolvimento sustentável (isto é, se o descaso e a inépcia dos governos não sepultarem de vez essa possibilidade, como vem ocorrendo). Nessa área, o design tem muito a contribuir – não só o ecodesign,

categoria que não tardará a perder o sentido: todo design será sustentável ou não será.

Tentando equacionar as relações entre identidade nacional e design, num plano mais geral e global, vejo três estratégias em curso, atualmente. Marcas, produtos e serviços fortemente internacionalizados posicionam-se com design e linguagem universalizantes, pouco informados por códigos nacionais ou locais (no sentido de que a Hyundai não tem nada de especificamente coreana, nem a H&M de sueca ou a Embraer de brasileira).

Por outro lado, e esta é a segunda estratégia, isso não exclui a existência de traços culturais distintivos que possam ser apropriados como território de posicionamento. Um bom exemplo é o das marcas de moda cariocas, que têm tido sucesso comunicando em condensado a ideia de um estilo de vida jovem e descolado, associado à praia e ao verão. Tal estratégia também é marcante no trabalho de designers mais autorais.

Finalmente, uma terceira via, mais recente, surge cruzando identidades e dando origem a linguagens que desafiam as classificações tradicionais. É o caso da Shang Xia, nova marca de luxo que se originou da parceria entre a francesa Hermès e a estilista chinesa Jiang Qiong Er, O resultado é um híbrido de elegância minimalista europeia com estética orientalizante.

Para concluir, cito um trecho do capítulo novo que escrevi para o relançamento em e-book do meu livro “Universo da Moda”, e que vem bem a calhar:

“Querer a todo custo emitir sinais de ‘identidade brasileira’ pode ser tão desastroso quanto o esforço para ser engraçado. É grande o risco de que o resultado seja o oposto daquilo que se pretendia: o ser vira parecer, a piada perde a graça. Em pleno século XXI, a brasilidade não deve ser tratada como um fim a ser alcançado em si mesmo, mas como um meio de dizer outras coisas, de contar outras histórias, muito mais relevantes para o consumidor do que a reafirmação de uma identidade nacional”.

Dario Caldas