Complexidade da moda sustentável
Compartilhamos, abaixo, algumas das ideias defendidas por Dario Caldas no debate Rio Moda Discute Internacional Sustentabilidade, que contou, também, com a participação de Dilys Williams (diretora do Centre for Sustainable Fashion do London College of Fashion), Jorge Yaminne (gestor da marca Éden), Nina Braga (diretora do instituto e) e a mediação das especialistas Lilyan Berlim e Tatiana Rybalowski:
“A sustentabilidade é um universo complexo. Apesar dos muitos avanços, ainda estamos começando a aprender a repensar as coisas na chave sustentável. Há muito mais perguntas do que respostas e as discussões ultrapassam as fronteiras de um campo de conhecimento específico para alcançar um vasto conjunto de questões interconectadas e frequentemente contraditórias, remetendo à filosofia, ao comportamento, às ciências sociais e econômicas, e por aí a fora.
A sustentabilidade propõe um mundo novo, mas ainda não temos como saber quais de suas propostas se efetivarão. Temos, sim, algumas certezas: no que concerne à “nova economia”, não há caminho de volta para o que os especialistas estão chamando de “dupla reconciliação”, da economia com a ética, de um lado, e da sociedade com a natureza, de outro.
Sua relação com a moda não é diferente. Quando se examinam os progressos em sustentabilidade realizados pelos atores desse setor, nos últimos vinte anos, constata-se que eles se concentram, principalmente, nos materiais e, em menor escala, nos processos produtivos. Para nos atermos ao produto em si, ainda há quase tudo a ser feito no que diz respeito à distribuição, ao ciclo de vida do produto pós-compra e ao descarte. Atualmente, o debate de ponta vai além, avançando para as mudanças necessárias no próprio sistema da moda, incluindo aí a forma de projetar roupas e as competências profissionais dos estilistas. No fundo, não adianta (ou é pouco) melhorar o produto e as formas de produzi-lo, com materiais orgânicos e práticas mais verdes, sem colocar o dedo numa ferida bem mais profunda, que são as formas de funcionamento do sistema como um todo e de suas premissas.
Só para exemplificar: os atores do setor estariam dispostos a trabalhar com um cenário de consumo decrescente? De fato, o crescimento permanente como meta e a aceleração dela resultante são vistos, no debate atual, como vilões que teriam que ser combatidos e como condição sine qua non para alcançarmos uma “sustentabilidade sustentável” no longo prazo, para um mundo de sete bilhões de pessoas tendendo a dez bilhões… Mas não é tão simples assim. De um lado, a sociologia contemporânea vem demonstrando que a aceleração, hoje, é estrutural, presente tanto na esfera técnica (produção, tecnologias, comunicação, etc.), quanto no âmbito das mudanças sociais e dos estilos de vida. É uma engrenagem difícil de desmontar ou de contrabalançar e não há nenhuma força de desaceleração suficientemente poderosa, no horizonte, para fazê-lo – embora desejemos que isso aconteça, produzindo bolsões, oásis, ideologias de desaceleração (na revista de bordo, a publicidade da companhia aérea vende as praias de Aruba com o slogan “pare o tempo” e a imagem de uma ampulheta obstruída por uma rolha).
Por outro lado, a defesa da desaceleração econômica como critério para a nova economia causa mal estar entre os países em desenvolvimento, como o Brasil. Mal estar compreensível: sabemos todos que o aumento da renda e do consumo têm sido as principais pedras de toque da política econômica brasileira, na última década. Ao menor soluço do consumo das famílias, o governo, os empresários e as mídias erguem a sobrancelha, preocupados com o crescimento do produto interno bruto do país, que ainda precisa crescer muito para incluir seus pobres e alcançar uma distribuição mais justa (acabamos de saber, aliás, que a “sexta economia do mundo” continua sendo, vergonhosamente, o quarto país mais desigual da América Latina…). É muito fácil falar em economia estacionária ou em decrescimento do PIB quando se tem uma história de riqueza de 50, 100 ou 200 anos para contabilizar, como alguns países.
Apesar da aceleração estrutural crescente, e por causa dela, é bastante evidente que a desaceleração vai ganhar cada vez mais espaço, nas próximas décadas, até porque é do próprio homem buscar esse respiro como compensação aos excessos que temos experimentado, especialmente em termos de consumismo. Quanto à moda, – ao contrário do que prega a slow fashion, com seus preceitos de desaceleração generalizada -, a indústria precisará aprender a manipular tanto o fast quanto o slow, e trabalhar dentro de uma nova “economia das velocidades”, como tenho reiterado já faz algum tempo.
De um ponto de vista crítico, vejo, ainda, a necessidade de identificar, nos discursos sobre “moda e sustentabilidade” em circulação, quais dessas propostas são ideológicas ou utópicas, e quais são adequadas para nós, brasileiros, no estágio atual em que o país se encontra. O ambiente criativo atual, feito de imaginação, de novas possibilidades e de um futuro aberto, traz muitas semelhanças com a passagem dos anos 60 aos anos 70 – não por acaso, momento da emergência histórica da consciência ecológica.
A contracultura, a crítica à sociedade de consumo de massa, os movimentos jovens, o sonho, as sociedades alternativas, nada disso foi apenas utopia ou ideologia, ao contrário, houve ali uma série de propostas que, se não vingaram naquele momento, dando de cara contra o muro da crise do petróleo que se erguia logo ali adiante, eram, ainda assim, propostas e experimentações de um fazer diferente, que deitaram raízes. As novas gerações vêm munidas de outros tantos meios e estratégias, ativismos, modos alternativos de pensar e de fazer negócios, que terão, a meu ver, destino parecido: nem tudo vingará, nem tudo é factível, algumas ideias são equivocadas desde os seus pressupostos. Entretanto, algo de mais equilibrado e de mais justo está, certamente, surgindo aí.” (Dario Caldas)