Consumo conspícuo e democratização são temas da hora
Por Dario Caldas
No último domingo, 31/08, o caderno Mais! da Folha de S.Paulo (link só para assinantes) trouxe três artigos rediscutindo a moda e o luxo. Antes de mais nada, um grande “viva!” ao espaço de prestígio concedido a essa discussão. Minha idéia, aqui, é continuar o debate.
Na entrevista concedida pelo filósofo sueco Lars Svenden a Alcino Leite Neto, me chamou a atenção a crítica que ele fez a uma idéia fundamental de Gilles Lipovetsky sobre a moda, contida no “Império do Efêmero”: a “função democrática” que a moda cumpriria nas sociedades modernas. Ao ser perguntado sobre esse ponto, Svenden afirmou que
“o número de peças de roupas que podemos encontrar no guarda-roupa do cidadão mediano não chega a ser um bom indicativo do funcionamento adequado, ou não, das instituições democráticas de seu país”.
Isso é óbvio. Ninguém faria tal afirmação, sobretudo não é isso que diz Lipovetsky no “Império do Efêmero” – aliás, como costumo dizer, um dos livros mais citados e menos lidos de todos os tempos (sobretudo pelos estudantes de moda).
O que Lipovetsky afirma é que a moda, como forma de funcionamento da cultura (a “forma moda”, como dizem os sociólogos) favoreceu a democratização das sociedades, a partir do início da idade Moderna, à medida que permitiu ao indivíduo (a própria noção de indivíduo é outra “novidade” dessa época) exercer crescentemente o seu poder de escolha, liberando-se do peso da tradição como única forma de conduta possível. “Moda”, então, passou a significar mudança, abertura ao novo, gosto pelo moderno, possibilidade de exercer a sua individualidade.
Como se vê, nada a ver com a quantidade de peças que você tem no guarda-roupa, argumento bastante ingênuo de Svendsen (cujo livro, confesso, não conheço – minha crítica, aqui, parte apenas da entrevista do Mais!, que fique bem claro).
Outro artigo interessante, “Luxo Conceitual” relata os resultados de uma pesquisa realizada por três pesquisadores das universidades de Chicago e da Pensilvânia, recolocando em discussão o clássico conceito de “consumo conspícuo” definido por Veblen, ainda no final do século XIX, e em parte negado (o status como único motor do consumo) pelas teorias atualmente em voga.
A pesquisa também postula uma correlação entre formas de consumo e etnias. São dados polêmicos. Como o artigo é um resumo de um trabalho científico, não dá para discutir a fundo, mas dá para afirmar que as dados relativos aos negros e latinos norte-americanos são, de cara, mais aceitáveis, até pela lógica (um gosto particular, mais maximalista, faz a cama para uma propensão a consumir artigos de luxo mais vistosos, com acentuada preferência por jóias e grifes mais “ostensivas”).
No entanto, daí a afirmar que o jogo todo se resuma, novamente, a status, ou a não parecer pobre, como afirmam os pesquisadores, me parece bem mais contestável.
A correlação estatística foi provada (consumo de bens conspícuos x negros e latinos), mas não vi menção a um avaliação qualitativa profunda que provasse que as motivações individuais sejam mais fortemente orientadas por status do que pelo consumo emocional, psicologizado, pela busca de satisfações em outros níveis individuais.
De qualquer modo, e em vista do consumo ascendente das “novas classes médias” brasileiras, e todo o debate recente sobre os critérios de classificação de “classe” que ressurgiram com força na mídia, pela palavra de diversos intelectuais de respeito, creio que há sinais suficientes apontando para uma revisão do “consumo conspícuo” – e até mesmo uma atualização do “Império do Efêmero”, que já tem vinte anos, e que Lipovetsky, em sua recente passagem por São Paulo, me confidenciou já estar em processo de preparação, sem pressa.