Dead End Fashion?
O que fazer para alavancar a competitividade da indústria da moda brasileira, fragilizada por ameaças como a desindustrialização e a invasão dos importados? Os diversos atores envolvidos não perdem a chance de apresentar suas queixas, mas poucos querem admitir a sua parte de responsabilidade na crise que vai ganhando contornos cada vez mais dramáticos e urgentes.
Industriais, estilistas, varejistas, todos apelam ao governo, mas geralmente com agendas divergentes. Como conciliar os interesses da indústria, que precisa exportar mais para se fortalecer e teme os importados, com os de varejistas e estilistas, que necessitam importar (roupas fabricadas na China ou no Paquistão, tecidos, componentes…) para poder competir com as marcas internacionais, que agora acorrem em bando ao Brasil, em todos os segmentos? Enquanto uns pedem mais protecionismo e real fraco, aos outros interessam menos barreiras à importação e uma moeda não tão desvalorizada assim.
Por que o governo brasileiro não agiu efetivamente em prol da indústria têxtil-vestuário – como vem fazendo seguidamente em favor da indústria automobilística -, diante de uma crise anunciada há pelo menos dez anos, quando já se sabia que a liberalização dos mercados criaria um predador chamado China? Só há duas respostas possíveis: ou o setor não é considerado suficientemente competitivo, e de medida paliativa em medida paliativa permite-se que ele sangre até o aniquilamento dos mais fracos (50% do mercado? Mais?); ou é aquela história de muita reunião, muito comitê, muito diagnóstico, e pouca política industrial digna desse nome. Resultado prático: o déficit comercial do setor têxtil é projetado em seis bilhões de dólares para 2012, segundo a ABIT.
Olhando para a ponta da moda, o quadro atual não é menos desanimador. A volta da dicotomia “moda comercial versus moda conceitual” ao debate – como acompanhei estes últimos dias – não seria um sintoma de que ainda não conseguimos resolver o que há de mais elementar no funcionamento da moda?
Precisamos encarar os fatos: Quase duas décadas depois dos primeiros eventos de grande porte, qual foi o “grande criador” que fez carreira aqui mesmo, na moda brasileira, e que “furou” a cena internacional? Por favor, não entendam como provincianismo de minha parte, como se eu estivesse defendendo a velha ideia de que é preciso sair no New York Times para existir no mapa… Só que, no mundo instantâneo e “sem barreiras”, empresas, mercadorias, profissionais e consumidores vivem em um fluxo permanente de trocas. Tomemos como exemplo outras indústrias, como a de softwares: os talentos brasileiros não estão sendo “roubados” pelos concorrentes, muitas vezes internacionais? Por que os “criadores” de moda locais não interessam a ninguém?
E qual é o problema de não termos produzido grandes “criadores”? Será que o momento da moda, da competição global, da vitória do modelo fast fashion, ainda está pedindo esse tipo de profissional? Não vejo o futuro da indústria por aí… A moda brasileira não estaria precisando de mais criativos e de menos pretensos “criadores”?
Do ponto de vista do sistema formativo, depois da abertura ininterrupta de cursos e escolas de moda por todo o País, ao longo dos anos 1990 e 2000, a questão que se coloca agora é a da qualidade dos talentos humanos que estão sendo produzidos – discussão que se estende à educação brasileira como um todo, síntese do que há de pior em políticas públicas, em termos de estratégias de longo prazo. Com a moda, infelizmente, não foi diferente. O fato de que o Brasil é “o país que mais tem faculdades de moda no mundo”, como se ouve por aí, parece não ter gerado os esperados benefícios tangíveis para o sistema como um todo.
Não estariam errados os modelos perseguidos, admirados, continuamente incensados por uma mídia que ainda está pensando o futuro com a cabeça do século passado?
A moda brasileira precisa se olhar com mais objetividade e com menos narcisismo. A moda do século XXI pede mais agilidade, mais criatividade, mais tecnologia, mais efetividade na identificação e na aplicação de tendências, e menos “imagem”, ao contrário do que aconteceu nos anos 90. Isso sem contar os esforços que a moda ainda tem pela frente para incorporar os conceitos do eco-design e do desenvolvimento sustentável, que lhe são contrários por definição.
Por que a nós só está cabendo a “escolha” entre importar ou terceirizar em países asiáticos? Os norte-americanos, que estão sempre voltando com o fubá, já decretaram que é hora de relocalizar a produção em casa mesmo, com todo o discurso da sustentabilidade e da valorização da produção local legitimando ainda mais essa estratégia.
Por esse ângulo, o imenso parque industrial instalado no Brasil (quinto maior produtor de têxteis e vestuário no mundo) ainda é uma vantagem competitiva que poucos países possuem. No entanto, convenhamos, os resultados das sinergias entre a indústria e a moda foram tímidos e minguados até aqui, diante de seu enorme potencial.
Finalmente, o que esperar do comportamento do consumidor? Acredito que as questões que realmente importam (como as elencadas acima) deveriam transparecer mais nas mídias e nas coberturas de moda. Fala-se tanto do neo-consumidor informado e crítico, mas ainda acham que ele só quer saber de “tendências” como bustiês, transparências e brilhos, ou de discutir se a moda do Rio compete ou não com a de São Paulo (certamente, uma das questões que deve mover o mundo, no século XXI…). Estou definitivamente entre os que acreditam que “il faut parler sérieusement des choses légères” *, como essas, sobre a moda e as tendências. (Dario Caldas)
* “É preciso falar com seriedade sobre coisas leves”.