ETNOGRAFIA E “PEQUENOS DADOS” NA BASE DAS TENDÊNCIAS
Um livro lançado no ano passado chamou a nossa atenção pela discussão que provoca. Trata-se de Small Data, do autor dinamarquês Martin Lindstrom, profissional mundialmente consagrado e muito conhecido nas áreas de marketing, branding e comportamento do consumidor, com vários best-sellers na bagagem, entre os quais Brandsense: Segredos sensoriais por trás das coisas que compramos e A lógica do consumo. O livro em questão traz o instigante subtítulo “como poucas pistas indicam grandes tendências” e deixa claro, desde a capa, a intenção de polemizar com a noção de big data, febre atual do mercado e sobre a qual já escrevemos aqui.
Os “pequenos dados” seriam aqueles fornecidos pelo cotidiano e pela observação direta dos consumidores, como “rituais, hábitos, gestos e preferências, que acabam expondo quem realmente somos”. O autor defende que “a integração de dados online e offline – ou seja, o casamento dos big data com os small data – é um elemento fundamental à sobrevivência do marketing e ao seu êxito no século XXI”.
Small data: rituais, hábitos, gestos, preferências…
Seria uma evidência, algo fora de questão, não fosse a enorme atração que as empresas e os atores do mercado sentem, no presente, pelos big data, como se eles fossem suficientes, em todos os casos, para revelar às marcas os desejos dos consumidores. Há poucos dias, apenas como exemplo, um seguidor em nossas redes sociais se queixava da mudança radical na paisagem do desenvolvimento de novos produtos em moda, cuja forma tradicional de pesquisa, baseada em observação e prospectiva, tem sido substituída pela análise das pegadas digitais dos consumidores (ou seja, em retrospectiva). O novo contexto é claramente desfavorável à inovação.
Lindstrom escreveu um livro para defender a profissão de “detetive itinerante”, o pesquisador que sai pelo mundo entrando nas casas das pessoas comuns para recolher informações, que não se dariam a conhecer de outro modo, e que são peça-chave para a identificação de tendências. Como bom marqueteiro que é, o autor cunhou uma expressão up to date para a boa e velha etnografia, técnica derivada da antropologia cultural, que pressupõe o contato e a observação “a quente” do objeto de estudo – um dos pilares da “metodologia dos sinais” e dos Estudos ODES, desde a fundação do escritório. Aliás, quanto mais os big data avançam na nossa sociedade digital, mais as qualidades da pesquisa etnográfica serão valorizadas nos estudos em profundidade do consumidor. A esse respeito, o livro traz uma pequena anedota sobre como o Google está contratando pesquisadores de campo para fazer etnografias e ajudar a empresa a entender os humanos…
Uma expressão up to date para a boa e velha etnografia
Small Data é basicamente um livro de cases, de uma pirotecnia inigualável (do tipo “como um tênis velho descoberto na casa de um garoto alemão de onze anos levou a uma mudança sem precedentes da marca LEGO”…). Não espere a receita do bolo. Ao relatar o case brasileiro da Devassa – marca que ajudou a reestruturar, após a compra da Schincariol pela japonesa Kirin (que a revendeu à Heineken, depois de prejuízos na operação brasileira) – Lindstrom vai de Medellín a Hong Kong, passando pela Itália, e relaciona cervejas a cavalos, colarinhos de camisa e crenças religiosas, entre outros links desconcertantes … Como resultado, acaba jogando um pouco de neblina sobre os métodos etnográficos, na realidade bem mais frugais e objetivos do que a (caríssima) mágica do autor deixa entrever. De resto, é sempre bom que uma voz de grande alcance ajude a colocar as coisas em seu devido lugar, embora seja um pouco decepcionante que o mercado ainda precise da chancela dos best-sellers estrangeiros para reconhecer o que já deveria ser dado por óbvio.