Geração Y, trabalho e diversão
Os espaços de trabalho estão em franca transformação. Há uma clara tendência ao abandono da sisudez de escritórios com aspecto de linha de produção, típicos do século XX, em favor de ambientes mais lúdicos e criativos, projetados antes para promover a inspiração do que para permitir o controle dos funcionários. Pelo menos, é isso que nos promete o culto à criatividade e à inovação, fetiches do terceiro milênio que se estendem ao universo do trabalho.
Fazendo um rápido retrospecto dessa evolução, nos anos 1980, o home office tornou-se tendência e concretizou uma antiga aspiração de unir os espaços de morar e de produzir sob o mesmo teto. Na década seguinte, a possibilidade de trabalhar a distância, em casa ou qualquer outro lugar, entrou definitivamente para o rol das novas possibilidades abertas pelas tecnologias de informação e comunicação.
O surgimento do fridaywear, isto é, o abandono facultativo do terno às sextas-feiras, foi um sinal de que o universo produtivo tornava-se menos formal. Simultaneamente, emergiu uma nova classe criativa, adepta de um estilo de vida mais casual e cool. Por fim, a “geração bermuda” (mais conhecida pelo codinome Y) jogou outra pá de cal nas convenções. Para esses hedonistas compulsivos, o prazer não é apenas o objetivo a ser perseguido na vida privada, mas sim a pedra de toque da existência como um todo. Portanto, trabalhar também tem que ser interessante e divertido, ou se torna apenas sofrimento.
Na cultura “disneylandizada” dos Ys, o entretenimento é o diapasão que afina todas as outras esferas da vida.
Não surpreende, assim, que os espaços de trabalho tenham assumido configurações improváveis, antes vistas apenas em locais de diversão ou de criatividade no sentido estrito (ateliês de criação, agências, etc.). Agora, são as multinacionais e as megacorporações digitais que propõem espaços lúdicos, onde os tempos da produção e do lazer, aparentemente, não se dissociam mais. Saem estações de trabalho, divisórias, ambientes assépticos e sem vida, proibições do uso de aparelhos eletrônicos, cartões de ponto, horários rígidos. Entram pufes, balanços, redes, escorregadores, jogos, objetos divertidos, mesas de bilhar, geladeiras self-service, horários flexíveis. A ordem é potencializar a criatividade por todos os meios, entre os quais o uso intensivo da cor e de outros estímulos sensoriais e distrativos jogam papel fundamental. Depois do fun shopping, o fun working vende a ideia de que nunca foi tão divertido trabalhar.
Só que não. Como tudo nesse mundo tem valência dupla, o fato é que o excesso de trabalho, as jornadas escorchantes de 10, 12, 14 horas por dia, o encolhimento do tempo dedicado aos prazeres privados continuam sendo algumas das queixas mais recorrentes, com tendência à intensificação.
Nesse aspecto, o novo universo lúdico do trabalho reza pela cartilha antiga. A “ditadura do BlackBerry”, como já foi chamada, e a acessibilidade permitida por outros tantos aparelhos digitais, anytime, anywhere, são verdadeiras invasões das demandas corporativas sobre o que restou de vida pessoal para o indivíduo. Para dar a sensação de liberdade, o horário de trabalho pode ser flexível, mas a contrapartida é a flexibilização total dos tempos privados do “colaborador”. As estratégias para aumentar a produtividade são cada vez mais criativas.
Tradicionalmente devotadas ao negócio – isto é, àquilo que nega o ócio -, hoje, as empresas estimulam até mesmo o descanso, o relaxamento, a siesta reparadora, desde que em nome da geração de mais produtividade, bem entendido. Um dia ou outro de ócio criativo chega a ser estimulado, mas para produzir algo de útil – uma boa ideia, um novo projeto para a empresa -, uma vez que inação sem finalidade é preguiça, pecado capital dos mais graves, que não condiz com espíritos inquietos, produtivos e inovadores.
Enfim, nada contra ambientes de trabalho estimulantes, estetizados e mais agradáveis para o indivíduo, que ali passa porções crescentes de sua vida. A verdade, porém, é que a promessa inicial transformou-se no seu contrário: no fundo, nunca foi tão custoso divertir-se no trabalho.
(Texto de Dario Caldas originalmente publicado na revista abcDesign nº 46. Foto: Espaço de “descompressão” da sede do Twitter em São Paulo).