Medo do Futuro
TEXTO: DARIO CALDAS, Dario Caldas / revista AbcDesign, número 49
IMAGEM: The Associated Press
Uma das mudanças mais significativas no Zeitgeist do início do terceiro milênio diz respeito às expectativas da humanidade em relação ao futuro. Se a modernidade foi marcada pelo otimismo acerca do progresso contínuo, da evolução permanente em direção a um melhor, a passagem entre os séculos XX e XXI, em vez disso, inaugurou a era da insegurança e do medo como pivôs da visão de mundo do homem contemporâneo. O futuro passou a ser percebido, então, como um lugar de poucas certezas e de muitas ameaças. Para o indivíduo comum, o trabalho e a carreira são terrenos cada vez mais competitivos e menos assegurados, os empregos desaparecem e é preciso “reinventar-se” profissionalmente em permanência, sob o risco de tornar-se obsoleto e dispensável.

A velhice depende crescentemente de uma aposentadoria desvalorizada, cujo sistema, alardeia a mídia, está prestes a explodir. O capitalismo e a democracia vivem sob crises e ameaças constantes. Não bastaram todas as coisas propriamente humanas para assombrar as perspectivas: desde 2007, com as conclusões da Conferência do Clima das Nações Unidas, estamos todos implicados na suprema insegurança sobre o próprio futuro do planeta.
Um aspecto essencial dessa reversão de quadro no espírito do tempo é a sua generalização em todas as classes sociais e latitudes. O que preocupa alguns é a violência urbana, o trânsito mais mortal do que certas guerras ou a tirania. Outros estão em permanente alerta contra ataques terroristas – que passaram a assumir a lógica da sociedade do espetáculo -, surtos de sociopatas em escolas ou catástrofes naturais. Em um claro sinal de que o medo está na moda, o informe publicitário de uma revista, no metrô paulistano, alerta sobre como agir durante um… ataque nuclear. Até a guerra fria ensaia um revival.
Definitivamente, o mundo tornou-se um lugar pouco seguro para se viver. Já em 2004, o Observatório de Sinais chamava essa macrotendência de Medo S.A. Respondendo à preocupação crescente das pessoas com a violência e a segurança, o design estabeleceu uma relação ambígua com esse campo, ora flertando com a ganância (caso da corrida armamentista alimentada pela indústria – já é lugar comum afirmar que a indústria da segurança é das que mais crescem, desconhecendo crises), ora fazendo o discurso da cultura da paz.

O Museu de Arte Moderna de Nova York tem se destacado na exploração dessas relações em nível curatorial. Em 2005, a antológica exposição “Safe Design” propunha uma reflexão a partir de uma série de objetos projetados para proteger o corpo e a mente de circunstâncias perigosas e estressantes, responder a situações de emergência e proporcionar a sensação de conforto e segurança. A exposição passeava por territórios tão variados quanto os abrigos urbanos, a saúde, o corpo, a camuflagem, o ruído, entre muitos outros. Projetos de móveis concebidos para proteger das ondas eletromagnéticas que proliferam pela casa, por causa da multiplicação de aparelhos tecnológicos, ladeavam propostas ao mesmo tempo lúdicas e melancólicas, como a parca “Final Home” do designer japonês Kosuke Tsumura e seu ursinho de nylon como complemento, um cult de meados dos anos 1990. Foi tamanha a repercussão dessa mostra que o MoMA deu continuidade ao projeto com a plataforma Design and Violence, um experimento online que explora manifestações da violência na sociedade contemporânea, reunindo desde o projeto de uma penitenciária orientado pelos direitos humanos dos presos, até uma proposta em design olfativo buscando sintetizar o “cheiro de violência” em um perfume.

Alguém pode objetar que tal cenário sombrio não corresponde à imagem que o brasileiro tem de sua vida e de seu futuro, reiteradamente “feliz e otimista”, a julgar pelos resultados de pesquisas de todo tipo.

É sempre bom lembrar que o enclausuramento das nossas classes médias em condomínios cada vez mais fortificados e hipervigiados produziu o triste neologismo “brasilianização” urbana, usado mundo afora. E que o anseio popular por mais segurança pública equipara-se aos de saúde e educação, entre as demandas atuais mais prementes. Enfim, não há contradição entre um otimismo renitente, individual, e um estar no mundo percebido cada vez mais pela ótica da insegurança e do medo, quando se trata de avaliar a sociedade em que vivemos e o futuro que nos aguarda.