Mobile Celebrity


Kim Kardashian foi a grande sensação do último Festival Internacional de Criatividade de Cannes. Não me refiro ao glamouroso festival de cinema, onde o elemento red carpet e sua fauna característica são aguardados e previsíveis. Estou falando do outro, o de publicidade, que também ocorre, anualmente, na cidade mediterrânea francesa. Não sobrou espaço para nenhum guru de marketing, nenhum anunciante estrelado, nenhuma campanha inovadora: todos os holofotes recaíram sobre uma Kardashian, e é desse sintoma que quero falar, aqui.
Em sua concorridíssima participação no painel “Hollywood and trends in digital storytelling”, Kim foi apresentada como uma “mobile celebrity“, tal a sua reconhecida maestria em lidar com os dispositivos móveis. “Lidar”, aqui, é praticamente sinônimo de monetizar, e monetizar é com ela mesma.

credit: hugogloss.com

Entre um jogo para celular baseado em sua vida, o licenciamento de sua marca pelo mundo afora ou a publicação do livro Selfish, Kim teve tempo para inaugurar, em Londres, a sua estátua de cera, erigida de modo a permitir que os visitantes tirem fotos com ela. Publicar, compartilhar e ampliar a presença da “rainha das selfies” terá sido apenas uma consequência lógica dessa sacada.

Kim é a síntese da definição contemporânea de celebridade e, por extensão, uma espécie de imagem condensada do próprio espírito do tempo. Sua vida é uma aula “em progresso” sobre branding, engajamento do consumidor e monetização por meio de estratégias digitais. Ela também sintetiza as profundas transformações no negócio da fama.

No presente, fala-se de uma “economia da celebridade”, que se dedica a compreender os ciclos, cada vez mais curtos, entre a fama, o dinheiro e os fãs. Fala-se de celebridades “direto ao consumidor”, isto é, prontas para serem consumidas. As novas celebridades sabem, instintivamente, que a visibilidade transformou-se em capital, gerando uma nova elite cujos membros vão de esportistas a políticos, de artistas a modelos, de personalidades da televisão e da internet a estrelas e semiestrelas do universo pop.

Os críticos do star system esperneiam contra a generalização e a natureza frívola do fenômeno, mas a publicidade e o marketing se rendem aos que conseguem construir uma ponte direta entre o talento próprio e os fãs, onde quer que ambos estejam.

O que as mobile celebrities ensinam é que, no negócio da fama turbinada pelo digital, a relação com os fãs é primordial e a visibilidade em fluxo permanente uma premissa básica. A monetização é apenas uma decorrência, um prêmio que o consumidor confere, não às marcas (e nem automaticamente), mas às suas celebridades de preferência e escolha.

Houve um tempo em que artistas e intelectuais desejavam, romanticamente, fazer de vida e obra algo indissociável. Para Kim e a nova elite de mobile celebrities, vida, imagem e visibilidade é que se tornaram uma coisa só.

Dario Caldas