O Ocaso dos Modernos

Moderno (pronunciar “mudérrno”) é um termo de muitos significados, usado aqui como sinônimo de um tipo bastante conhecido das faunas urbanas, em qualquer canto do planeta. Ex-transados dos anos 70, por vezes chamados apenas “loucos”, são ascendentes diretos do hype nova-iorquino ou da branchitude parisiense, que imperaram nos anos 80 e 90. Íntimos da moda, sempre à frente das inovações, tinham um pé na transgressão, o outro na distinção como modo de vida. Descobrir antes, adotar primeiro aquilo que seria objeto de desejo pela maioria dali a “x” tempo, brincar de pega-pega com o mundo dos caretas, seus antípodas – talvez seja o que define melhor o perfil do moderno.

Modernos, transados, branchés: hoje, palavras vazias, na avalanche de hiperconsumo que engole e justifica quase tudo o que se encontra pela estrada. O fato é que ser moderno está rapidamente perdendo o sentido, já que não há mais defasagem tempo-espacial, nem mistério, nem corrida para adiante, pois a maioria corre mesmo é na esteira, sem sair do lugar…

O que acontece é compreensível, se analisarmos os dois vetores principais dessa história de “ser moderno”: os jovens e os gays. As novas gerações têm um gosto realmente particular, que eu arrisco mesmo a classificar como a “geração dos sem-gosto”, no sentido do mélange, da promiscuidade de estilos que eles curtem em algumas áreas, e não da falta de. O exemplo mais flagrante é no território da música: pela facilidade de acesso, ouvem Mozart, Britney Spears, o pior pop italiano e Radiohead como se tudo fosse a mesma coisa – aliás, para eles tudo é a mesma coisa. Para os modernos transgressores, havia algo de sujo no “comercial”, automaticamente desclassificável. Hoje, it’s just business, e nem por isso perde valor, ou melhor, ganha algum até. A própria noção de um moderno como referência para comportamentos e atitudes deixa de existir, porque eles não vivem a tendência como imposição de fora para dentro. Estão mais preocupados consigo (até demais) e menos com os outros, este é o lado bom dessa história.

Quanto à cultura gay, o preço da democratização é a banalização da imagem, ensinam os marqueteiros. Ser gay nos anos 80/90 era chique, eles estavam com tudo, sabiam de tudo, experimentaram de um tudo, em matéria de drogas e libido. Torsos nus, batida house, espírito fashion, eram os árbitros do gosto, os aristocratas do estilo, o auge da branchitude. Os héteros mais antenados vestiam-se como os gays – dois anos antes… Hoje, três das maiores capitais gays, Paris, Berlim e Londres, são sintomaticamente administradas por prefeitos gays. Á medida que o ser gay se institucionaliza, também vai se careteando. Em Paris, não há mais uma “noite gay clássica”, no sentido do que foi o Queen nos anos 90 ou o Palace nos 80. Ser gay, sair do armário, carregar a bandeira do arco-íris, tudo isso hoje faz parte do establishment – e atenção, ninguém aqui está falando de orientação sexual. Faz anos que venho apontando essa reversão de clima, o mais legal do estudo de tendências é justamente observar esses momentos nebulosos de passagem e captar “a quente” os sinais de mudança. Lembro-me de ter incluído o tema (da cooptação da cultura gay pelo establishment) pela primeira vez numa palestra de 1998, e o sinal amarelo se acendeu pra mim num filme americano em que mulheres, padres, mães de família e héteros, todo mundo enfim, numa platéia, se levanta e começa a dizer “eu também sou gay”, “eu também sou gay”… Saí do cinema fortemente impressionado com aquilo e comecei a formular a idéia da normalização versus normatização da cultura gay. No Brasil, para abreviar a história, isso desemboca mais ou menos na última novela das 8, com o casal de caras gays enfim na telinha, mas tão bonzinhos, brancos, burgueses e produtivos… enfim, um casal como outro qualquer.

Nem jovens comprometidos com a idéia de vanguarda, nem gays inovadores para alimentar a arena dos “muderrnos”, parece não haver mesmo mais espaço para a transgressão na cultura do hiperconsumo, que engole tudo, normaliza e normatiza tudo, permite tudo para vender mais e melhor. Talvez isso explique em parte porque a violência contra si e contra o outro seja a nova peste, e como tal sem lógica nem controle, a última fronteira da transgressão.

Dario Caldas
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