Rebeldia do cotidiano

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O texto a seguir fazia parte do paper “Análise de Tendências 2012/2013 – Sinais, Insights, Influências”, produzido pelo Observatório de Sinais no início de 2012, como relatório interno de informação estratégica para orientar ações e projetos. No momento em que as manifestações de protesto pelo País pegam os analistas de calças curtas, acreditamos que ele venha a calhar e demonstre, mais uma vez, o poder esclarecedor e antecipatório do monitoramento de sinais e do mapeamento de tendências:

COMPORTAMENTO E SOCIEDADE | Rebeldia do Cotidiano

“Depois de um longo período de apatia e desinteresse pela política, o espírito rebelde e contestador está em alta novamente, especialmente entre os jovens (embora não se restringindo a essa faixa etária). Sob esse aspecto, o espírito do final dos anos 60/ início dos 70 parece estar soprando sobre as hiperconectadas praças do mundo.

Há “n” casos interessantes acontecendo pelo mundo afora, com o dado fundamental das tecnologias de informação e comunicação e o papel das redes sociais facilitando esses processos. Um desses movimentos, especialmente espetacular e muito esperto, é o das jovens mulheres ucranianas, que subvertem a visão preconceituosa das “loiras eslavas” que se generalizou nas últimas décadas, fazendo outro uso de seu corpo, ao exibirem os seios nus para protestar.

No caso do Brasil, com sua estabilidade democrática, a diferença é que, de modo geral, os protestos não priorizam o envolvimento com política partidária ou com a esfera do poder em si, mas sim com a micropolítica do cotidiano, que afeta os indivíduos mais diretamente, sobretudo no plano da vida urbana. Essa geração que ocupa as ruas para se expressar já está sendo chamada de “geração pós-shopping”: para eles, viver não se limita a consumir, viver é poder expressar-se de alguma forma.

A cidade de São Paulo viu em 2011 suas ruas serem ocupadas doze vezes por dia, num total de 4.497 eventos, 25% a mais do que no ano anterior! (Estadão, 18/03). Protesta-se contra o fechamento de um espaço de cultura, a favor da liberação do uso da maconha, contra as manifestações elitistas dos que não querem a chegada do metrô em um “bairro nobre” da cidade… O modo de organização, via redes sociais, sem hierarquia ou líderes, é tão original como as formas de manifestação: churrascão na rua, performances variadas, atividades culturais para ocupação e reconversão do espaço urbano, bicicletadas…

O ciclo-ativismo é um ponto bastante sensível dessa história. As reações ao atropelamento de ciclistas demonstram bem por onde caminha a vontade e a decisão das pessoas de afirmarem os estilos de vida que elas escolheram e o seu inconformismo com tudo aquilo que possa limitá-las. O individualismo causa esse tipo de reação: o indivíduo empoderado (outro modo de chamar essa geração é INGs, “indivíduos não governamentais”) percebe a violação de sua autonomia individual como algo totalmente anacrônico e intolerável. É muito compreensível que esse tipo de reação surja diante de conflitos concretos, cotidianos, e a grande arena em que se transforma o trânsito das maiores cidades talvez seja o melhor exemplo: pedestres versus carros versus motocicletas versus bicicletas versus caminhões e ônibus…

(…) No que tange à conjuntura dos próximos meses, é necessário se preparar para mais do mesmo: a crise europeia está longe de terminar e o cenário econômico internacional tem tudo para se agravar. O clima de insatisfação cresce na mesma medida da circulação da informação, e o “protester”, que ganhou a capa da Time como personagem do ano, vai continuar a se fazer presente e a influenciar não só as manifestações da cultura pop e jovem, mas também a cena sociocultural como um todo”. (ODES, abril de 2012)

Para saber mais sobre os papers ODES de análise de tendências: observatorio@observatoriodesinais.com.br

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