POR QUE EMPATIA É A KEY MESSAGE DO MOMENTO
A empatia se tornou um conceito-chave para entender as demandas atuais, tanto da sociedade quanto do mercado. Ser empático ou ter atitudes empáticas em relação ao outro tem virado tema ou pretexto para quase tudo, do mapa de empatia como ferramenta de design até campanhas de marcas, da hashtag que bomba no Instagram até o surgimento de uma nova atividade profissional, o consultor de empatia. O blog Sinais analisa os movimentos que dão lastro para essa tendência e, de quebra, traz um depoimento do Dario Caldas sobre como foi narrar desfiles de moda para cegos, uma experiência que, sem dúvida, demanda muita empatia.
RELATIVIZANDO
A empatia é o exercício antropológico por excelência. Em ciências sociais, é o conceito básico a ser aprendido antes de qualquer teoria ou prática, o ponto zero a partir do qual deve ser construído todo o entendimento de outras culturas, sociedades, grupos ou estilos de vida.
“Empatia é um canal de comunicação que possibilita entender e responder às emoções do outro como se fossem suas.”
Ela pode ser definida como a capacidade de se colocar no lugar do outro para ver o mundo pelo ponto de vista dele. Para isso, é necessário despir-se de seus próprios valores por um momento e abraçar, sem preconceitos, esse olhar que se toma emprestado.
Trata-se, basicamente, de um canal de comunicação que possibilita entender e responder às emoções do outro como se fossem suas, embora não o sejam.
FOCO NA DEMANDA
O movimento geral que se observa hoje por mais empatia explica-se por diversas vias. Na esfera do consumo, não tem mágica: a dinâmica do mercado contemporâneo coloca em primeiro plano o entendimento do consumidor (a demanda), suas necessidades, dores e desejos, para entregar produtos e serviços que estejam em sintonia plena com ele.
Essa tendência é geral e inverte a lógica predominante até o século XX, segundo a qual o que contava mesmo era a voz da própria empresa ou da marca (a oferta) e o que ela tinha a dizer e a oferecer como produto ou serviço.
Hoje, ao contrário, as marcas buscam, cada vez mais, uma empatia plena com seus consumidores, e não apenas com alguns, mas com todos. É claro que estamos falando de inclusão, outra macrotendência onipresente.
ROTAS DA INCLUSÃO
Para haver inclusão, é preciso que haja empatia pelos indivíduos e grupos a serem incluídos. E para que estratégias de inclusão alcancem sucesso, as marcas precisam ir conversar com as pessoas e perguntar diretamente a elas o que desejam e do que precisam, sobretudo, quando se trata de grupos ainda pouco atendidos ou sub-representados na oferta de bens e serviços – como é o caso das pessoas com deficiências, em todas as segmentações aí compreendidas.
“Em tempos de transparência e autenticidade, as mentiras sedimentam e só a verdade transpira.”
Do contrário, tudo acaba se resumindo a uma mecânica de marketing, que será assim percebida pelo consumidor -porque, em tempos que pedem transparência e autenticidade, as mentiras sedimentam e só a verdade transpira.
APRECIAÇÃO X APROPRIAÇÃO CULTURAL
A falta de empatia tem causado uma série de gafes, para usar um termo brando, e de conflitos entre marcas e grupos de consumidores. Os casos envolvendo pesos pesados como Dolce e Gabbana, Gucci, Prada, Burberry e tantas outras, para citar apenas marcas de moda e luxo, já foram bastante comentados (por exemplo, nesta matéria). Sem entrar no mérito e nas especificidades de cada um, são casos que, em geral, apontam para um gap de inteligência cultural por parte desses agentes do mercado. Em outras palavras, a falta de empatia se tornou uma ameaça verdadeira para as marcas, especialmente aquelas que almejam ser globais e inclusivas, simultaneamente.
Veja-se, por exemplo, o debate, cada vez mais acalorado, sobre apropriação cultural. Até o final do século XX, inspirar-se em outras culturas ou grupos étnicos e tomar “emprestado” seus ícones e símbolos, como uma forma de citação, era um método de criação perfeitamente legítimo. Hoje, a sensibilidade em relação a isso mudou radicalmente. Minorias ou culturas inteiras podem se sentir ofendidas ou mesmo espoliadas, quando suas imagens milenares são usadas como temas de coleções de roupas e objetos.
As manifestações de etnocentrismo – isto é, medir o outro com a régua de seus próprios valores – passaram a ser um dos pratos preferidos da cultura watchdog que se dissemina pelas redes, pronta para apontar o dedo e revelar os deslizes e erros de quem quer que seja.
PODE OU NÃO PODE?
Entretanto, um caso recente serve para levantar o outro lado dessa questão: uma empresa de mídias canadense, dona da antena que virou um ícone da cidade de Toronto, está processando um escritor que decidiu usar essa imagem na capa de seu novo livro. O argumento é o mesmo dos grupos e minorias que reivindicam seus direitos em casos de apropriação cultural: “Fui eu que fiz e criei, portanto é meu, tenho os direitos de propriedade e do uso da imagem”…
A defesa do princípio da empatia cultural não pode se transformar em uma camisa de força, para que cada um fique no seu quadrado, o que levaria ao empobrecimento do cenário criativo. Imagine-se, em termos musicais, se Amy Winehouse tivesse sido execrada por apropriar-se da música negra…Portanto, é preciso considerar os limites da ideia de apropriação cultural.
POR UM CONSUMO MAIS EMPÁTICO
Nesse contexto turbulento e complexo – falta de empatia como ameaça, watchdog culture, sociedade do conflito como novo normal – as recomendações para as marcas passam, necessariamente, pela construção de um ambiente de negócios com mais inteligência cultural, para sair do vermelho e perseguir superávits de empatia.
A nova gestão da marca demanda inteligência cultural para construir um superávit de empatia.
Essa estratégia está levando marcas empáticas a se preocuparem com a inclusão de muitos outros grupos de consumidores, beneficiando segmentos até aqui subestimados. No horizonte, está a construção de um mercado baseado em relações de consumo verdadeiramente empáticas, ainda um longo caminho a percorrer.
EMPATIA NA PRÁTICA: A AUDIODESCRIÇÃO DE DESFILES DE MODA PARA CEGOS
Por Dario Caldas
Vivi uma experiência intensa e gratificante de moda inclusiva – fiz a audiodescrição de desfiles da SPFW, a convite da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência – que me fez pensar muito sobre empatia. Para situar o leitor, uma audiodescrição não é uma crítica de moda, nem uma interpretação sobre o que se está vendo, mas uma descrição, o mais fiel possível, do que está acontecendo na passarela, para tornar o desfile acessível a cegos e deficientes visuais.
E é aí que entra a empatia, pois tive que me perguntar diversas vezes o que um deficiente visual gostaria de ouvir como informação. Será que eu deveria ser apenas objetivo ou também fazer comentários pessoais? Que tipo de discurso eu deveria construir para atender as necessidades e os desejos desse público específico?
Buscando alcançar o máximo de empatia, pesquisei sobre audiodescrição, conversei com deficientes visuais – descobri, por exemplo, que impressões sensoriais sobre a textura das roupas seriam muito valorizadas -, além de fazer uma verdadeira imersão nos backstages, antes dos desfiles, para capturar o máximo de detalhes que facilitassem a minha tarefa.
“A despeito do discurso empático dominante nas redes sociais, a distância crescente em relação ao Outro, na “vida real”, parece se impor como regra inelutável”.
Dario Caldas
Uma jornada intensamente emocional como essa acaba, de um jeito ou de outro, mexendo com a sua estrutura mental. No meu caso, fui levado a repensar as minhas próprias ideias sobre empatia, um conceito que anda tão em voga, mas que pode se tornar um tanto quanto abstrato. O que não é difícil de entender, dada a sociedade em que vivemos: a despeito do discurso empático dominante nas redes sociais, a distância crescente em relação ao Outro, na “vida real”, parece se impor como regra inelutável.
E já que a empatia está tão na moda, será que ela corre o risco de sucumbir ao ciclo de vida das tendências e sair de foco? Acredito que sim, não imediatamente, mas no médio prazo. Como as novas gerações são extremamente sensíveis a mensagens de inclusão, a empatia está se tornando a regra geral e deverá deixar de ser uma escolha – e, por consequência, de ser um atributo distintivo para as marcas e o marketing. É um processo semelhante ao que já está acontecendo com a sustentabilidade.