Por uma sociologia das tendências
Desde suas origens, a sociologia busca um olhar que transcenda os próprios fenômenos que analisa, identificando estruturas ou formas de funcionamento, com o objetivo de criticar, desvendar, explicar, compreender, transformar. Muitas vezes, trata-se de buscar o entendimento do óbvio – o que pode parecer trivial, mas está cada vez mais longe de sê-lo, nesses tempos de complexidade crescente.
Uma sociologia das tendências começa, portanto, com a definição de seu próprio objeto de estudo. Tendências têm forma de funcionamento similar, mas há uma grande diversidade de tipos, que demandam tratamentos diferenciados também. Um dos maiores problemas atuais das abordagens sobre as tendências é essa confusão que o “tudo é tendência” trouxe.
Não dá para colocar cupcakes e “indignados”, retromania e novas famílias no mesmo balaio, embora, em princípio, todos esses assuntos sejam pertinentes a uma sociologia das tendências (a bem da verdade, devo dizer que há divergências sobre isso, o que só engrossa o caldo da minha argumentação, uma vez que esses pontos de vista divergentes são um prato cheio… para a própria sociologia das tendências!). Sobretudo, não é possível submeter todos esses fenômenos a um idêntico instrumental teórico e prático, sob o risco de não se captar aquilo que mais interessa, isto é, as especificidades de cada um, de cada tipo de tendência.
De pouco adianta, igualmente, ser ótimo em detecção, mas não saber se os sinais detectados referem-se a algo que ainda vai emergir ou que já está aí, difuso no caldo sociocultural – e diga-se, esse não é dos dilemas menores entre os “tendenceiros”.
De outro lado, é pertinente fazer uma história das diversas abordagens sobre as tendências, desde os primeiros estudos publicados sobre os fenômenos de moda, ainda no século XIX, até os autores contemporâneos. É possível e útil identificar “escolas”, no sentido de grandes orientações que reagrupam essas abordagens ou autores. Isso possibilitaria comparar diferentes pressupostos analíticos e entender o que eles trouxeram ou trazem como contribuição ao campo, quais suas forças, quais as críticas cabíveis e que devem ser feitas.
É inegável que o campo profissional das tendências se autonomizou, e, por isso, necessita de ferramentas de avaliação de sua própria eficácia. Por definição, fazer uma sociologia das tendências (criticar, desvendar etc.), deve ajudar a estabelecer parâmetros mais objetivos para essa atividade profissional em expansão.
Um último argumento me faz pensar que não basta mais acompanhar a evolução das tendências em si mesmas, uma vez que o ambiente geral de mudanças aceleradas deve afetar em alguma medida a própria substância das tendências – e isto é uma hipótese – ou, pelo menos, alguns de seus aspectos definidores essenciais. Penso, mais especificamente, na mudança da nossa relação atual com o tempo, que está alterando profundamente os timings dos fenômenos de difusão. Por esse ângulo, uma sociologia das tendências permitiria fazer uma espécie de meta-tendências, ajudando na identificação de estruturas menos visíveis e mais estratégicas.
É claro que isso tudo pode soar academicista demais. Porém, cabe lembrar, é desse maná teórico-conceitual que vem toda a matéria-prima para qualquer abordagem concreta e frutífera de tendências, sobretudo comercialmente falando. Hoje, quando (quase) tudo é colagem e mashup, é mais que necessário reafirmar o valor estratégico de dar nome e sentido aos fios emaranhados.