A moda e o manto de Penélope
A Abit – Associação Brasileira da Indústria Têxtil faz saber que o déficit da balança comercial do setor têxtil em 2010 (excluída a fibra de algodão, que sozinha responde por mais de um terço de nossas exportações) foi de 3,5 bilhões de dólares. A situação é ainda mais preocupante se pensarmos que o nosso último superávit foi em 2005, ou seja, são fortes a tendência e o ritmo de degradação nas contas do setor. Este ano, espera-se um déficit de U$ 6 bilhões! E são os confeccionados importados que mais estão ganhando terreno ante os nacionais: somente em fevereiro, o crescimento dessa categoria de importação foi de 42%, ante igual período de 2010. Se lembrarmos que uma das manchetes mais non sense produzidas pelo último carnaval foi a de que quase tudo o que se via desfilar pelos sambódromos do país vinha da China, tem-se a imagem crua do processo em curso.
A situação da indústria nacional vai se tornando cada vez mais arriscada e faz pensar em Penélope cosendo e descosendo seu manto, à espera de seu amado: de dia, fazemos todos os esforços para construir a moda brasileira; na calada, a indústria têxtil e de confecção local está sendo sistematicamente substituída pelas importações. Não é a única cadeia produtiva que sofre, como se sabe o desmanche se espalha por setores diversos, como o calçadista, o elétrico e o químico, sem contar aqueles que estão dependentes de componentes ou de elos produtivos inteiros importados. É a lei imperiosa da globalização: “Cada país será forte naquilo em que puder competir”. O resto será resolvido pelos fluxos internacionais de importação e exportação.
Não é tão simples assim, quando se sabe que os mercados não têm mais nada de auto-regulados, a mão pesada das políticas protecionistas tendo substituído há tempos a “mão invisível” de que falava Adam Smith. Menos simples ainda quando outro dado é posto na mesa: são 30 mil empresas e 1 milhão e 700 mil trabalhadores empregados no setor têxtil e de confecção no Brasil. Por enquanto.
As perspectivas não são animadoras. Todos os prognósticos apontam que o dólar vai continuar a desabar, não adianta esperar milagres por aí. Os empresários se mexem, investem, formam uma frente parlamentar de apoio ao setor e reclamam compensações por práticas ilegais e dumping da China, que agora faz escoar seus produtos por outros portais asiáticos para escapar das sanções já aplicadas a eles no Brasil e tornando-as, por meio desse jeitinho chinês, sem efeito. Do lado do governo, os jornais discutiram longamente, este final de semana, a “solução” proposta para “induzir” a indústria de mineração a agregar valor à simples extração mineral: sobretaxar o minério de ferro seria o recado para a Vale investir em siderurgia e produzir mais aço… Quero crer que tudo não passou de politicalha para abrir espaço à dança das cadeiras na direção da empresa, mas se a proposta de fato se confirmar como “política industrial”, só vai nos restar mesmo pedir a proteção divina.
A contribuição do Observatório de Sinais para a reversão desse quadro, por meio de seus serviços, tem sido fornecer ao mercado o conhecimento estratégico baseado em tendências, necessário aos processos de inovação, diferenciação e ganho de competitividade. Para o longo prazo, porém, há perguntas que precisam de respostas no plano estrutural: Para onde vamos? O Chile, por exemplo, optou por importar praticamente 100% do que consome em têxtil e vestuário, sobraram quatro (sim, 4) indústrias têxteis locais e um varejo poderosíssimo. É possível fazer moda sem ter setor produtivo forte? A geografia da moda diz que não. Por que não conseguimos construir marcas fortes e ter presença internacional de fato? Será que a disseminação da cultura de moda no país só está servindo para alimentar o consumo (e aí tanto faz a origem dos produtos)? O fato é que o tão falado “sucesso da moda brasileira” não se traduz em números, e muito pouco em prestígio. Os criadores nacionais estabelecidos, que basicamente construíram suas imagens de marca nas semanas de moda de SP e Rio, nos últimos quinze anos, não conseguiram decolar comercialmente no mercado global, e, muito frequentemente, nem no mercado interno. As marcas de sucesso nas ruas são outras. As exceções, isto é, os “cases de sucesso” nos seminários de marketing de moda, são sempre aqueles dois ou três… Enfim, o manto de Penélope não se tece, mas as comparações com o mito param aí; na realidade, bem mais sombria, não há Ulisses para esperar. Um inquietante perfume de deterioração começa a se elevar do sistema moda no Brasil.