COMO A GERAÇÃO ALFA ESTÁ REDEFININDO O MERCADO INFANTIL
A geração que hoje tem menos de 10 anos já recebeu um nome: trata-se da Geração Alfa. Se é verdade que as crianças de hoje vão crescer e se tornar os consumidores de amanhã – daí a importância, para qualquer marca, de permanecer relevante através das sucessivas gerações -, o interesse pelo novo universo infantil, evidentemente, vai muito além do mercado e atinge diversas esferas da sociedade contemporânea, muito preocupada com o futuro.
Assim, o comportamento infantil de hoje também se encaixa na discussão mais ampla sobre as mudanças que se abateram sobre todas as faixas etárias (“novos velhos”, “adultescentes” etc.). Tornou-se muito comum a gente ouvir falar de crianças cada vez mais precoces em determinados aspectos, especialmente os cognitivos – e elas são mesmo, graças, em parte, à multiplicação de estímulos a que estão expostas, neste presente tecnológico e hiperconectado.
+++ ESTÍMULOS
Aparentemente, a ampliação do campo de cognição infantil é uma tendência cultural sem volta. Veja os sinais:
Advogados e juristas brasileiros defendem que noções de direito devem ser ensinadas às crianças nas escolas, para que a cidadania plena seja cultivada desde cedo (e o ODES apoia essa ideia!).
O serviço financeiro Square, de pagamento por cartão via smartphones, desenvolveu um aplicativo especial, todo ilustrado e com narrativa do tipo “era uma vez”, para ensinar às crianças o que é… bitcoin!
O mega-influente jornal New York Times – que ultrapassou, em 2017, a marca de 1 bilhão de dólares em receita com assinaturas – não dorme no ponto: em busca da fidelização dos pequenos leitores, lançou um novo e inovador suplemento mensal para crianças.
FILHO DE PEIXE ?
Muito da discussão sobre as novas crianças alfa tem a ver com o fato de que elas são os filhos da geração mais paparicada da história: os millennials, ou Geração Y. De fato, tanto se falou e se discutiu sobre os inovadores millennials que, agora, não sem razão, há uma grande expectativa para saber como eles se comportarão como adultos e pais, e qual será o resultado disso no comportamento dos filhos.
Algumas evidências, relacionadas a outras macrotendências, já são observáveis. Por exemplo, o fenômeno dos pais cada vez mais corujas e comprometidos com a educação das crianças é uma ótima “novidade” (entre aspas, porque já faz algum tempo que falamos dessa e de outras mudanças de comportamento do homem). Espera-se que, lá na frente, essa nova postura masculina vá não só criar homens menos travados emocionalmente como impactar positivamente a esfera afetiva das crianças em geral.
A relação da Geração Y com seus filhos também está modificando aspectos importantes do consumo e das marcas dirigidas ao público infantil. É esse o campo que vamos explorar agora.
GOURMETS E SAUDÁVEIS
A onda da comida saudável não tardaria a chegar ao universo infantil. O serviço por assinatura nova-iorquino Nourish Baby desenvolveu uma linha de produtos para bebês, com ingredientes frescos para lá de diferenciados, em refeições sempre muito bem apoiadas por argumentos funcionais, sustentáveis e saudáveis.
Nesse discurso de marca, nada é por acaso, tudo tem um porquê: o salmão selvagem dos croquetes que entram na papinha do jantar não é só um peixinho, não: ele “é rico em gorduras ômega-3 e uma proteína de fácil digestão”… Ingredientes locais e da estação, não geneticamente modificados, animais criados soltos e alimentados com grama, vitaminas e minerais essenciais, completam o pacote projetado sob medida para agradar millennials – inclusive no design das embalagens, com um indispensável toque artsy.
DESDE O BERÇO, LITERALMENTE
A marca Ford tem feito vários esforços de reposicionamento para evoluir de uma marca de automóveis para uma marca de mobilidade, no sentido mais amplo. Para ampliar e enriquecer o modo como é percebida pelos consumidores, a marca americana está redefinindo a concessionária de veículos como um hub de mobilidade e pode, até mesmo, conceber… um berço! Sim, um berço que simula o famoso passeio de carro (balanço, iluminação, barulhinho do bem…) para a criança dormir.
https://www.youtube.com/watch?time_continue=31&v=4F-QxDNFZjE
MINI-INFLUENCERS
Eles estão em toda parte e, como não poderia deixar de ser, entre as crianças também. Nas redes sociais e nos vídeos do Youtube, os mini-influencers já estão no radar das marcas de brinquedos, moda, alimentação, festas, entretenimento e de tantos outros segmentos de olho em um mercado gigantesco.
No Instagram, verdadeiro eldorado dos influencers, a fashionista mirim Coco Pink Princess (4 aninhos!) já amealhou 476 mil seguidores… Titi, a filhota de Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, tem sua imagem reiteradamente difundida pelo casal, com mensagens e ações de inclusão.
SMART TOYS
Brincar enquanto se educa, educar quando se brinca, esse par já é tradicional – mas ganha novos aspectos, conforme as demandas sociais avançam e as crianças, de seu lado, ficam mais rápidas e espertas.
A marca ecoBirdy, por exemplo, depois de dois anos estudando em profundidade como reciclar brinquedos de plástico de modo sustentável, criou e lançou produtos feitos 100% de plástico descartado.
Na mesma linha, o coletivo de arte e design holandês We Make Carpets montou uma exposição interativa com materiais de uso cotidiano para a NGV, uma galeria de arte voltada para o público infantil, em Melbourne (Austrália).
KIDWEAR DE LUXO
O Business of Fashion deu o tom: “como os millennials estão fazendo acontecer o novo boom do kidwear de luxo”. Essa é uma outra abordagem, bem diversa das preocupações com sustentabilidade (mas não necessariamente em contradição com ela). Mais uma vez, na raiz desse boom estão os pais Y, que veem o consumo de roupas de luxo para seus filhos como uma diversão a mais e como uma forma de consumo indulgente a que toda a família tem direito.
Em consequência, marcas de luxo como Gucci, Marni, Balenciaga têm investido fortemente em coleções para crianças, um mercado especialmente promissor na Ásia. Em capitais como Tóquio e Seul, de quebra, a moda infantil recebe fortes influências do streetwear e fica menos caretinha (ser careta, sabe-se, é ficar dentro da caixa, uma espécie de pecado mortal para a geração Y).
Nessa onda, o e-commerce Hypekids (“fashion | shoes | toys | entertainement”) filhote do e-commerce de luxo Hypebeast, foi lançado com grande sucesso em meados de 2017.
JUST KIDS
Bons exemplos de design para crianças continuam observando com inteligência a necessária dose de ludismo, como nos casos abaixo: uma loja de sapatos na Espanha, tênis descolados e acessórios fofos…
Na TV, é verdade que o tempo em que programa para criança era só ver desenho está bem distante. A onda de reality shows infantis, que começou já faz alguns anos, explodiu agora com os realities de gastronomia, de churrasqueiros mirins a minichefs.
Nessa seara, nosso preferido é o Junior Bake Off Brasil, do SBT. Por quê? Precisamente, porque o programa não tenta transformar as crianças em competidores adultos. O clima de brincadeira e a necessária dose de julgamento “café com leite” estão presentes, sem contrangimentos. A emissora, que soube reinventar o nicho da programação infantil no horário nobre, acertou no formato e no tom.
Conclusão: há um exagero em olhar os alfas apenas pelo ângulo da precocidade. Antes de mais nada, crianças são crianças, agem, sentem e se comportam como tal. Isso é básico, mas às vezes parece que as marcas esquecem desse “detalhe”, transformando as crianças em miniadultos (como na campanha abaixo, da marca Reebok), o que é frequentemente problemático.