DEPOIS DE AMANHÃ: CONSUMO E COMPORTAMENTO JOVEM NO BRASIL PARTE II
IMAGEM DRAGO/SELVASP
CONSEQUÊNCIAS DA CRISE
No post anterior , falamos sobre o novo valor do consumo e introduzimos o conceito de direitos emocionais. Vejamos, agora, as consequências da crise no comportamento do jovem e em suas estratégias de consumo.
Analisando a conjuntura, o endividamento das famílias, combinado com o desemprego crescente (e muito maior entre os jovens de 18-24 anos), fez soar todos os alertas. O consumo teve que ser reduzido ao essencial.
É sintomático que mesmo categorias que nunca deixaram de crescer nas últimas décadas, como os produtos de higiene e beleza, tenham sofrido retração no primeiro trimestre de 2016 (vale enfatizar, a primeira retração em 23 anos para essa categoria de produtos).
O jovem não tem como fugir dessa realidade. Não há nenhuma prioridade em termos de consumo, hoje, “agora”. Ao contrário,
A PRIORIDADE É NÃO CONSUMIR, DIMINUIR O ENDIVIDAMENTO PESSOAL E VIABILIZAR MINIMAMENTE O COTIDIANO.
Para o jovem, restringir o consumo é especialmente dramático no lazer, que tem um peso muito grande em seu estilo de vida e em sua cesta de consumo. Comer fora, por exemplo, nem pensar. Se é difícil ou impossível cortar, o jeito é encontrar alternativas, como a substituição por produtos e serviços mais baratos.
No setor de alimentação, a tendência à gourmetização, que explora principalmente o visual dos pratos e outros aspectos sensoriais, elevando os preços, tende a ser vista pelo consumidor como estratégia enganosa.
Ganha espaço um raciocínio de valor percebido em torno de varáveis mais objetivas, como quantidade e qualidade dos produtos, sem custos adicionais, que o consumidor não está disposto a pagar.
É sempre bom lembrar que na nossa visão de consumidor não cabe mais a mera oposição entre o lado racional e o lado emocional, como se eles existissem enquanto tipos puros. Ainda assim, é verdade que, nos momentos de crise, a racionalidade tende a falar mais alto, até por sobrevivência.
COM OS IMPASSES ECONÔMICOS, O JOVEM TENDE A TORNAR-SE AINDA MAIS SELETIVO, CRÍTICO, A INFORMAR-SE MAIS, A REDOBRAR OS SEUS CÁLCULOS DE CUSTO-BENEFÍCIO ANTES DE REALIZAR UMA COMPRA.
Porém, é enganoso pensar que apenas o que for mais barato vai ter espaço no mercado.
O consumidor não vai comprar algo que para sua renda seja percebido como caro, mas vai exigir cada vez mais qualidade com durabilidade, a preços compatíveis com o seu bolso, é claro.
Se existe uma forma de consumo que continua altamente priorizada pelo jovem, sem crise, é o consumo de mídias e de informação. Mas isso não o impedirá de fazer valer suas demandas, no sentido de aliar suas necessidades com suas prioridades e exigir que lhe entreguem o que foi prometido.
O jovem tende a buscar planos e operadoras mais vantajosos (algo que ele já fazia normalmente antes da crise, mas agora de forma mais acentuada), visando não ter que reduzir o seu consumo de internet e mídias em geral.
Ele não vai trocar de aparelho com a mesma frequência, mas vai procurar manter o serviço, pois para ele é inconcebível ter que se restringir a ponto de passar mais tempo off-line.
NOVAS CLASSES MÉDIAS: FIM DO “MELHORISMO”
Os jovens das “novas classes médias” passaram sua infância e adolescência assistindo à elevação do padrão de vida de suas famílias, com ganhos efetivos de renda e acesso ao consumo de novas categorias de produtos e serviços. É o caso emblemático dos aparelhos digitais e, especialmente, do smartphone, cujo uso praticamente se universalizou nesse período, no Brasil.
Para as “novas classes médias”, a relação com o consumo estava estabelecida dentro de um parâmetro que o ODES chamou de “MELHORISMO”: a sensação de que o padrão ascendente, em direção a um melhor, seria uma constante. Entre 2010 e 2013, vivemos o auge da bolha de consumo e da sensação de bem-estar, fazendo com que a crise atual ganhasse contornos ainda mais dramáticos.
Portanto, é o fim do “melhorismo” (ou, pelo menos, a sua suspensão por tempo indeterminado) pelo choque de realidade que a crise trouxe. A esse respeito, cumpre lembrar que as previsões mais otimistas dos organismos econômicos internacionais projetam a recuperação dos níveis de renda que o brasileiro tinha em 2013 apenas a partir de 2023.
A SENSAÇÃO DE DECEPÇÃO CAUSADA PELA FREADA BRUSCA É ESPECIALMENTE RESSENTIDA PELOS JOVENS, PORQUE LHES FOI VENDIDA UMA IDEIA DE “BRASIL GRANDE”, DE POTÊNCIA EMERGENTE, ETC., QUE NÃO PARA MAIS DE PÉ.
Mais grave, no entanto, é o abandono, ainda que momentâneo, de projetos de vida. É o que mostra o índice de inadimplência e a dificuldade de abrir novas turmas de faculdades privadas, que haviam crescido exponencialmente no embalo da renda turbinada das novas classes médias, agora em queda livre.
REEQUACIONANDO A INSATISFAÇÃO
Mais do que decepcionado, os jovens de hoje têm até mesmo uma certa dificuldade para entender o que está acontecendo com a economia. A combinação de fenômenos como inflação alta, dólar caro, carestia e desemprego funcionam, amargamente, como uma espécie de contrapeso ao otimismo de uma geração disposta a “reinventar o mundo”, mas que se vê, subitamente, constrangida pela realidade dos fatos.
As gerações anteriores, que viveram as sucessivas crises brasileiras, especialmente a “década perdida” de 1980 e as crises do início dos anos 1990, são bem mais escoladas a esse respeito.
Assim, no contexto da crise, os pais da Geração X e os boomers, acostumados a se guiar pelos mais jovens no consumo de tecnologia, trocam de papel com eles e funcionam como guias para os inexperientes Ys.
O jovem está revoltado com “tudo isso que está aí”, mas reduzir essa revolta apenas às limitações de consumo não é exato.
VALE INSISTIR, O CONSUMO NÃO É A PRIORIDADE NÚMERO UM DA MAIORIA DOS JOVENS, ELE É UMA DIMENSÃO IMPORTANTE E NATURAL DOS ESTILOS DE VIDA CONTEMPORÂNEOS, MAS NÃO UM FIM EM SI MESMO.
É verdade que existem ondas, como o funk ostentação, que podem sugerir direções opostas. Sem negar o poder de sedução da ostentação sobre os jovens, sobretudo nas camadas de baixa renda, o fato é que entre jovens adultos, que ingressam na vida produtiva e/ou universitária, trata-se antes de um apelo simbólico (mais uma dimensão do “eu quero”, “eu posso”) do que a expressão concreta de um estilo de vida pautado pelo consumismo, mesmo em tempos de vacas gordas.
É importante frisar que o jovem se sente insatisfeito quando existe alguma forma de impedimento causado pelo outro, não por si próprio.
Essa insatisfação juvenil, bastante conhecida dentro da família, agora se alastra para o campo do consumo. As marcas vão ter que redobrar os seus esforços para agradar plenamente o consumidor jovem.
ESTRATÉGIAS DE CONSUMO EM ALTA IMEDIATA
Estratégias de consumo como a busca por durabilidade vão se acentuar. A durabilidade é o contrário da obsolescência. Para os jovens Y, a inovação em permanência, pedra de toque da reinvenção do mundo, é um dos valores mais fortes. Mas há inovação e inovação gratuita, só para estimular o consumismo.
TENDO QUE REPENSAR SUAS ESTRATÉGIAS DE CONSUMO, FOCANDO NO NECESSÁRIO, AS INOVAÇÕES GRATUITAS TENDEM A PERDER ESPAÇO E, COM ISSO, O CULTO À INOVAÇÃO DEVE SOFRER UMA ESPÉCIE DE FREIO DE ARRUMAÇÃO.
É algo que já se percebia, pré-crise, na relação dessa geração com a moda (isto é, a moda como instituição, das grandes marcas, desfiles, etc.), muito menos “endeusada” pelos jovens de hoje (Ys) do que pelos jovens dos anos 90 (Xs), por exemplo. E a moda, como se sabe, é a melhor tradução da obsolescência no consumo.
Com a crise econômica, o jovem está aprendendo “na marra” a manejar melhor as suas finanças pessoais. Isso o levará a aprender a contratar de forma mais vantajosa serviços financeiros (bancos, cartões, etc.) e a usá-los a seu favor.
Em dez anos, essa tendência, que já se percebe hoje, certamente vai se consolidar (aquela história do “gato escaldado…”). Inclusive, já estão aparecendo ofertas mais favoráveis por empresas de cartão de crédito, com foco nas necessidades desses consumidores. Os bancos, por exemplo, vão ter que desenvolver muito mais a área de serviços em educação financeira para seus clientes.
Finalmente, e este talvez seja o ponto mais importante, a crise vai dar uma imensa força na introjeção dos direitos do consumidor, que tende a lutar por eles cada vez mais.
OU SEJA, O MERCADO TERÁ QUE LIDAR, INELUTAVELMENTE, COM UM CONSUMIDOR EMPODERADO, CONSCIENTE DE SEUS DIREITOS, ATIVO EM SUAS DEMANDAS E AGNÓSTICO, INFIEL POR PRINCÍPIO.
Isso é válido para todos os indivíduos, lembrando que os jovens em torno dos 20 anos de hoje (os Ys mais novos) serão o “filé mignon” do mercado, daqui a 10 anos.
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