DEPOIS DE AMANHÃ: CONSUMO E COMPORTAMENTO JOVEM NO BRASIL – FINAL
IMAGEM Lisa Ceinos
O estudo inédito “Depois de amanhã: consumo e comportamento jovem no Brasil” produziu uma grande quantidade de dados, análises setoriais e orientações para o mercado, tendo parte publicada nesta série especial do Odesblog. No quarto e último post, mais projeções sobre a relação do jovem com o trabalho, suas motivações de consumo e as nossas conclusões.
TRABALHO
Para as novas gerações, o trabalho é indissociável do prazer:
FAZER AQUILO DE QUE SE GOSTA NÃO É MAIS UMA OPÇÃO OU QUESTÃO DE SORTE, É UMA PARTE DO UNIVERSO PROFISSIONAL DE QUE O JOVEM NÃO QUER ABRIR MÃO.
A estabilidade de emprego já deixou de ser um valor para a Geração Y, que exerce, aqui, o seu direito ao “eu não preciso” (“ficar no mesmo emprego um longo tempo para ser considerado competente, sério ou confiável”…). Ao contrário, o jovem valoriza sucessivas experiências:
A MUDANÇA, O NOVO E OS DESAFIOS PERMANENTES É QUE SÃO VALORADOS POSITIVAMENTE, EM SINTONIA COM A CULTURA DO EMPREENDEDORISMO.
Portanto, mudar de profissão ou de atividade é a expectativa normal do jovem, que aprende a conviver com um universo de trabalho mutante (até por conta da tendência global à flexibilização das legislações trabalhistas).
Essa nova relação com o trabalho resulta em um exercício profícuo de desenvolvimento de habilidades e competências para o indivíduo.
Paralelamente, desenvolve-se no Brasil uma cultura mais afeita à competição. Os jovens de hoje são mais predispostos a competir do que as gerações anteriores, o que é benéfico tanto individualmente quanto para o próprio funcionamento do mercado.
O CALDO DE CULTURA MAIS COMPETITIVO DÁ AO JOVEM MAIS AUTOCONFIANÇA PARA O ENSAIO E O ERRO, A EXPERIMENTAÇÃO E A MUDANÇA, PREPARANDO-O PARA OS ALTOS E BAIXOS QUE A VIDA PROFISSIONAL EXIGIRÁ.
A gamificação é outra força que atua no mesmo sentido. A onipresença do esquema do game na sociedade contemporânea – competir, errar, sair, recomeçar – ensinou ao jovem como aprender sem drama.
A esse respeito, as tendências em reality shows lançam luz sobre o cenário. É claro que programas que exploram o talento e a beleza continuarão tendo o seu lugar assegurado entre a audiência jovem. Porém, os reality shows de competição, que trocam o talento, a beleza e o carisma pelas habilidades e capacidades de cada jogador, comunicam diretamente com um jovem que vê o desenvolvimento de competências como o melhor atalho para o seu futuro.
Essa geração aprendeu com o universo dos games a conviver com a ficção, os heróis, os monstros, os alienígenas e todo tipo de personagem e situação. Mas é um equívoco recorrente, nas análises sobre jovens, afirmar que eles transpõem esse universo para a “vida real”, como se tal confusão fosse comum. Ao contrário,
FORA DOS GAMES, O JOVEM QUER A REALIDADE SEM FANTASIAS, SEM MENTIRAS, SEM FICÇÃO.
MOTIVAÇÕES
Os indivíduos podem trocar as roupas de marca por viagens, as enormes coleções de acessórios por aparelhos digitais de ponta, a frequentação de restaurantes top por experiências gastronômicas mais inusitadas e divertidas – mas o desejo de consumo continua intacto, mudando apenas os porquês do consumo, isto é, as motivações primárias que o levam a escolher.
É nesse campo que o jovem exerce mais claramente o seu direito emocional ao “eu não preciso”, equilibrando a balança das escolhas. Deixemos claro, mais uma vez, que esse statement não significa, em absoluto, uma recusa arrogante do consumo.
Ao contrário, “eu não preciso” é a síntese da possibilidade plena de escolher em meio à hiperoferta, sem a necessidade de orientar essa decisão por motivações outras que não as suas próprias.
É o exato oposto do que a cansativa mania de listas insiste em propor ao consumidor, na linha das “dez coisas que você precisa ter para…” – “para quê, mesmo?”, pergunta-se o indivíduo, de posse de seus direitos emocionais.
O JOVEM NÃO VÊ A SUA IDENTIDADE SER NECESSARIAMENTE DEFINIDA (QUEM OBRIGOU?) PELO CONSUMO E PELA POSSE DE DETERMINADOS OBJETOS E SERVIÇOS (QUEM DETERMINOU?).
O caso do automóvel é emblemático. Em que pesem os problemas conjunturais da indústria, o que indicam Über, Lyft, serviços de compartilhamento de veículos, carros autônomos e outras inovações, além da boa e velha compra de um carro, é a multiplicação das formas de relacionamento do consumidor com esse objeto.
Portanto, às indústrias – automobilística e todas as outras – cabe o papel de abrir efetivamente o leque de possibilidades e escolhas ao consumidor (o que é bem diferente de declinar o mesmo em vários modelos…), potencializando a transformação do “eu não preciso” do jovem em seu complementar “eu posso”.
Do mesmo modo, a relação com a casa própria é esclarecedora. É claro que todo mundo quer ter casa, mas nem todos tomarão esse desejo de consumo por um fim em si mesmo, como a pedra angular de um estilo de vida.
Mais importante será o crescente investimento do jovem em “seu espaço”, seja ele qual for. Indústrias como a imobiliária, a moveleira e o design em geral terão muito o que fazer para reposicionar a oferta pelo ângulo da relação emocional dos indivíduos com o morar. Será imperativo, por exemplo, entender o que essa tendência significa para o consumidor, como ela pode se concretizar em novos produtos e serviços, bem como a forma mais eficiente de comunicá-la.
Assim, se o consumismo como estilo de vida está ultrapassado, não dá nem para vislumbrar uma sociedade pós-consumo:
AS NOVAS CONFIGURAÇÕES QUE SE MANIFESTAM NO CONSUMO – ECONOMIA DO COMPARTILHAMENTO, CONSUMO EMOCIONAL, CONSUMO CONSCIENTE, CONSUMO COLABORATIVO, ETC. – APENAS CONFIRMAM A SUA PERENIDADE, NÃO A SUA SUPERAÇÃO.
Algumas direções já estão dadas e tendem a se acentuar. O consumo de experiências, por exemplo, substitui em parte a posse de coisas. O compartilhamento de bens e serviços possibilita a multiplicação de experiências de consumo, até com menos investimento. Os adeptos do DIY (“faça você mesmo”), repaginados em makers (porque “best-sellizar” é preciso) ganham impulso com o crescente apagamento dos limites entre produtores e consumidores – que o digam os youtubers, com sua estratégia vencedora de “realitizar” o cotidiano.
Entretanto, alguns sinais contraditórios em relação às preferências dos Ys mais novos e da ascendente Geração Z sugerem cautela com os excessos do experiencial. A qualidade, mais uma vez, tende a ser o critério que desequilibra, e um bom produto não será trocado por outro que aposte apenas nos artifícios de branding, percebidos como uma forma potencial de mistificação.
FOCAR APENAS NA EXPERIÊNCIA DE COMPRA OU EM ESTÍMULOS SENSORIAIS GRATUITOS, EM DETRIMENTO DE UM BOM PRODUTO, NÃO VAI GARANTIR A VENDA, NEM CONVENCER O CONSUMIDOR.
CONCLUSÕES
Todo mundo entende em alguma medida de comportamento humano, até porque dependemos da decodificação dos sinais que os outros emitem por uma questão de sobrevivência – essa tem sido, desde sempre, a lei da selva.
Muito mais complexo, porém, é o entendimento do comportamento individual, plataforma necessária para ter acesso ao comportamento dos grupos, na dinâmica da sociedade individualista. O fenômeno das novas famílias é um bom exemplo. Plurais na forma e extremamente diversas em seus arranjos internos, as novas famílias são por excelência a esfera em que o respeito às individualidades se sobrepõe ao engessamento das estruturas impostas.
Talvez devido ao afã de produzir novidades ou de capturar a atenção em meio ao newsfeed – ou até por intenções menos isentas -, temos observado o uso excessivo de criatividade na indicação de perfis e de “novos comportamentos” que não têm lastro na realidade (veja-se o beco sem saída que foi a crença em “novas classes médias” com base, apenas, em renda e consumo). Nem é preciso ir mais longe para entender quão prejudiciais tais procedimentos duvidosos são para o mercado.
Por essa razão, vai ser preciso um olhar mais atento para a identificação e a construção de perfis de consumidores. Dentro de um perfil, existem variações de tipos. Desde que bem construído, é através do perfil que se reconhecem os diversos tipos, entendidos, antes de tudo, como grupos de indivíduos.
É claro que o empoderamento do jovem não começou hoje. O jovem de 20 a 30 anos é a terceira ou a quarta geração no avanço social inconteste em direção a consumidores mais exigentes e conscientes. A diferença é que esse próprio processo resultou em uma geração realmente preparada para exercer plenamente a sua autonomia individual.
Se fôssemos fazer uma abordagem evolutiva, diríamos que o jovem de hoje já sabe o que a vida exige como competências: preparação, identificação de objetivos, ajuste de foco, saber lidar com a concorrência. Trata-se de uma geração plenamente apta a competir. O jovem sabe que o desenvolvimento de competências também tem que vir antes do sucesso, como o trabalho, e que talento só não basta.
A principal consequência do novo cenário definitivamente instalado pela aquisição dos direitos emocionais é que ninguém mais vai poder fazer o que quer sem assumir as consequências e as próprias responsabilidades. Para citar um exemplo, já é o que se vê no território da responsabilidade socioambiental, onde as promessas e as palavras pias de marcas e outros agentes têm que se tornar tangíveis – do contrário, o consumidor lhes reservará a mais completa irrelevância.
Não se pode negar que o “império das imagens”, anunciado – e atacado -desde os anos 1990, rendeu bons frutos. Porém, se a imagem vale mil palavras, a verdade cabe em uma frase.
As tentativas de oferecer menos por mais ou de dar à demanda o que se julga ser apenas o suficiente não serão toleradas. O jovem de hoje anuncia que é chegada a hora, tão alardeada e ao mesmo tempo postergada, de ter que entregar o que for prometido. A “obrigação de fazer a coisa certa” – nossa velha conhecida na letra da lei, mas ainda hoje distante de sua generalização no mercado -, será a máxima absoluta e inapelável do consumidor.
E como hoje já é amanhã… que venha o depois de amanhã!