ID Fashion 2016 consolida espaço da moda paranaense

Por Dario Caldas

Não é só a Lava Jato que tem agitado Curitiba. Faz tempo que a cidade se firmou nacionalmente como polo cultural e criativo, mas a moda paranaense, apesar de tentativas diversas, ainda não tinha encontrado um canal que fizesse ouvir e amplificasse a sua voz. Terminada a segunda edição do ID Fashion – e com a terceira já confirmada pela Fiep (Federação das Indústrias do Paraná) -, ficou claro que o evento tem tudo para se consolidar e ocupar esse espaço.

“Compacto, de impacto, interativo, cool e dinâmico”

A fórmula encontrada pelos organizadores – “compacto, de impacto, interativo, cool e dinâmico”, segundo a diretora do evento Annelise Vaine – responde perfeitamente ao espírito do tempo e aos anseios de consumidores e profissionais da moda, cansados das intermináveis fashion weeks.

Também jogam a favor o local descolado, o Museu Oscar Niemeyer, e o fato do evento ser aberto e gratuito. O público afluiu numeroso, repartindo-se entre o espaço expositivo para as marcas participantes e a área de desfiles, onde também rolaram o ID_talk sobre “novos movimentos da moda” e o 10º Desafio Passarela Senai.

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Fui convidado pela organização para participar do bate-papo com o público, ao lado de João Berdu, presidente do Instituto Vale da Seda, e de Eduardo Dugois, PR e consultor das marcas Ellus e Herchcovitch, cabendo à jornalista e professora Carol Garcia a mediação da conversa. Escalado para abrir o debate, teci considerações sobre o novo consumidor, a partir de uma abordagem do estudo “Depois de amanhã: consumo e comportamento jovem no Brasil”, realizado em 2016 pelo Observatório de Sinais.

No momento em que as palavras de ordem da moda são “see now, buy now” e aproximação com o consumidor final, o conteúdo veio bem a calhar. Afinal, a moda – como, de resto, todo o mercado – ainda está aprendendo a lidar com esse indivíduo autônomo e empoderado, tão apto a fazer escolhas, em plena posse de seus “direitos emocionais” e de consumidor.

A moda está aprendendo a lidar com o indivíduo autônomo e empoderado, tão apto a fazer escolhas, em plena posse de seus “direitos emocionais” e de consumidor.

Para as marcas, ressaltei a importância de um discurso autêntico e transparente, em consonância com a própria identidade e distante daqueles valores que chamei de “marmitex” – valores prontos, aos quais se adere por algum tipo de obrigação autoinfligida, “politicamente correta”, ou por se acreditar enganosamente que é isso que o consumidor deseja.

Acontece que os consumidores, especialmente os jovens, são cada vez mais diversos e avessos às direções únicas e impostas, do mesmo modo que repelem as ideologias, os partidos, as grandes narrativas da história, o storytelling fofo, mas verdadeiro como anel de bala…

A esse respeito, aliás, o estudo em questão demonstrou que não bastará mais ser “verde” ou “social” para automaticamente ser “do bem”. Ou seja, “valores-marmitex” são uma armadilha para todos, da pequena marca autoral à gigante fast fashion.

Foto: Nilton Russo
Foto: Nilton Russo

Terminei minha fala com uma provocação ao público, resumida na fórmula “mais prazer e menos culpa”. De fato, a moda está se sentindo muito culpada pelas mazelas do planeta. O que se quer hoje da moda é uma série de exigências que contêm um “não”: uma moda que não polua, não agrida, não maltrate, não desperdice, não escravize, não saia de moda…As roupas, por sua vez, não podem ser “só roupas” (sic), têm que tratar, curar o corpo, conectar-se, ter mil e uma utilidades, ajudar a pôr fim à guerra da Síria…

É verdade que os tempos são graves e a moda se revestiu dessa gravidade. Mas onde foi parar a leveza, a frivolidade, a “fantasia estética” gratuita que definia a moda desde os seus primórdios – onde, enfim, o prazer de fazer, curtir e consumir moda, sem culpa e, sobretudo, sem culpabilizar o consumidor? Com a palavra, os jovens criativos e as novas marcas do cenário nacional e global.

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Ao mostrar o que há de novo em um desfile sintético e panorâmico e abrir espaço para as novas marcas locais interagirem com o público, o ID Fashion está fazendo a sua parte. Porém, se três looks bastam para entender o que uma marca pretende com seu discurso, seria interessante ampliar a área expositiva com mais produtos de cada grife, permitindo avaliar melhor a sua consistência, e aprofundar a ideia, apenas esboçada, de trazer marcas de outros universos, como o design.

De todo modo, é positivo o saldo da amostragem das 16 marcas participantes – que incluiu da moda festa à lingerie-fantasia, do masculino casual ao infantil, passando, como é de lei, por um punhado de marcas jovens mais under_line (como o Observatório de Sinais denominou a tendência ao underground renovado).

O evento abre espaço para as marcas paranaenses com identidade própria

A festa terminou com o 10º Desafio Passarela Senai, promovido pela equipe capitaneada por Edson Korner. O desafio consistiu em um exercício de construção de uma peça que começou dois dias antes do evento com 120 participantes, todos alunos da faculdade de moda Senai, e terminou com dez finalistas apresentando suas criações num desfile-show muito bem produzido.

A história toda tinha a ver com a criação de um figurino para um grupo de dança urbana. Movimento, conforto, diversidade de corpos e hibridação entre urbano, ativo e esportivo – foi essa a fórmula a que os alunos tiveram que responder, e quem se saiu melhor na opinião do corpo de jurados, do qual participei, foi Carol Novak.

Enfim, saí do evento com a sensação de que uma porção de coisas bacanas tinha acontecido, num curto espaço de tempo, e com uma certeza: o que de melhor o ID Fashion propõe é a ideia de apoiar a construção de marcas paranaenses com identidade própria, mas distanciando-se do discurso rançoso do “hiperlocal”. Que os bons ventos da República de Curitiba se espalhem pelo país!

Dario Caldas