O colapso dos influencers
Há colapsos generalizados em andamento nesta pandemia, alguns bem mais graves, sem dúvida nenhuma, do que este de que vamos tratar aqui. Mas o fato de a cultura influencer também colapsar vem somar à sensação generalizada de um cenário incerto, no horizonte.
E não foi sem aviso. Já se evidenciava faz tempo que o descolamento da realidade de influencers e celebridades, ostentando suas vidas “rycas” e “baphônicas”, especialmente em um país tão desigual como o nosso, era uma estratégia de sedução do público com data de vencimento.
Alguns influenciadores, com maior ou menos grau de verdade na intenção, tomaram a via do marketing de propósitos, o apoio a uma ONG aqui, uma viagem à África ali… No entanto, diante da calamidade posta com todas as letras, tudo o que era artificial desmoronou, como um castelo de cartas.
Além disso, erros foram se amontoando, nas últimas semanas. A glamourização do confinamento nas redes sociais foi apontada por observadores, desde o início, nas fotos à beira da piscina ou no alpendre da fazenda, entre taças de vinho como testemunhas. Depois, houve uma sucessão de casos de lives cobertas de boas intenções, mas cheias de problemas sanitários. A alienação das blogueiras de moda atingiu tal altitude que virou notícia. Como cereja do bolo, vieram as festas descoladas, em plena quarentena, com a presença VIP de ex-participantes de reality shows (título que confere certa nobreza, entre nós). Foi nesse ponto que o mercado, enfim, reagiu, com o cancelamento de contratos.
Esse movimento não é exclusividade nossa, é bom enfatizar. Nos EUA, celebridades dizendo ou, mais grave, fazendo coisas inapropriadas em tempos de pandemia foram tantos que o New York Times deu a manchete “celebrity culture is burning”. O caso da blogueira nova-iorquina que, positivada para o coronavírus, fugiu para a mansão nos Hamptons com os filhos pequenos, causou uma onda de revolta. E o Diet Prada, perfil líder da cultura watchdog no Instagram, deu destaque para o fim do “influencing” como o conhecemos nos últimos anos.
Por outro lado, sempre ponho barbas de molho quando alguém saca a carta do fim dos tempos. Sou geralmente partidário do “em termos”. Acredito que os influenciadores ainda terão muito espaço, por diversas razões. A primeira delas, porque essa é uma parte constitutiva da cultura das redes, a qual sairá da crise inegavelmente mais forte. Os influenciadores já provaram a sua utilidade para o mercado e, até onde sabemos, as marcas pretendem continuar a investir em estratégias de influencer marketing – basta ver com que apetite acorrem os patrocinadores às lives promissoras, apesar das últimas gafes. A quarentena também abriu espaço para a ascensão de tipos específicos de influencers, como os professores de meditação e de ioga. Para a próxima década, já se confirma outro perfil em fortíssima alta: os gamefluencers. Mais um aspecto que joga a favor é a confirmação da dobradinha influenciadores e reality shows, que nasceram uns para os outros.
Entre erros, um presente complicado e oportunidades adiante, o que podemos afirmar, categoricamente, é que os influenciadores – e, por extensão, o influencer marketing como um todo -, estarão agora funcionando em chave crítica, sob um profundo questionamento. Ou seja, não adianta ter um capital de muitos “K” de seguidores para ostentar, porque essa não será mais a garantia necessária e suficiente para o contrato. Verdade, transparência e ter algo realmente importante para dizer vão fazer toda a diferença. Está sendo notável, nesta crise, o espaço que os intelectuais ganharam nas redes sociais. A indústria da publicidade costuma afirmar que o conteúdo é rei. Seria otimista demais esperar que o conteúdo de qualidade – não aquele feito apenas de imagem e de marketing – torne-se, enfim, o verdadeiro rei? É possível, mas é bom lembrar, até para evitar que o rei fique nu outra vez, que a arrogância sempre precede a ruína.