O neo-cafona é “coisa nossa”?
Vivemos em um mundo saturado de mídias onde as indústrias orientadas para o lucro estão sempre desesperadas para vender “algo novo” às pessoas.
Essas indústrias são em grande parte responsáveis por tentar dar coerência a uma série de fenômenos que são por vezes divergentes e colocá-los todos sob o mesmo rótulo.
É assim que as mídias brincam de “criar tendência”.
Esse é bem o caso de uma história que, neste momento, nos está sendo vendida como sendo “o novo brega”, “o revival do kitsch”, “a revisão do cafona”, e por aí afora.
Sinais dispersos, como um certo espírito estético maximalista (por oposição ao minimalismo) – predominante nas últimas temporadas de moda, especialmente nas passarelas francesas -, ou a absorção do tecnobrega paraense pela cena mainstream nacional são citados em conjunto, e coroados pelo atualmente incontornável recurso à classe C para legitimar a “nova onda”.
Assim, querem nos convencer de que esse estilo, no fundo, é “coisa nossa”, pura expressão do otimismo e da felicidade popular à brasileira. (No plano internacional, ele traduziria uma tentativa da indústria da moda em falar com os novos mercados – como sempre, vistos de maneira estereotipada – e propor escapes indulgentes para a grave crise que assola o mundo desenvolvido, mas essa é outra história).
Temos reiterado com freqüência que ainda existe no Brasil um profundo desconhecimento da propalada nova classe C, como se ela fosse um “outro” ameaçador, prestes a nos engolir a qualquer momento… Isto está se tornando opressivo. A mídia está forjando uma “ideia” de novas classes médias, que, como ideia, está se tornando uma abstração, uma representação, que não existe de fato – ou existe como parte, como parcela daS classeS médiaS brasileiraS.
Nessa venda do neo-brega ou do neo-cafona como tendência que se assenta, sobretudo, no popular, e em sua prescrição para todos os públicos, existe um processo de estetização da classe C que reafirma o preconceito de classe, ao identificá-la com o mau gosto. O mesmo ponto já foi levantado quanto ao pendor do “novo cinema brasileiro” em estetizar a miséria. No caso atual, o preconceito está em não admitir que esse “outro” possa ter um gosto igual ao “nosso”.
Quantas pessoas você conhece que afirmam se vestir de um modo brega ou cafona, ou que gostariam de ser chamadas assim? Talvez (e um grande talvez), apenas aquelas que agora estão usando elementos dessa estética over de forma consciente, com sarcasmo e ironia, isto é, com afetação (até para enviar a mensagem: “Olha, eu estou brincando de brega, tá?”).
Penso, também, que haja confusão com a propensão do brasileiro ao barroquismo, que não tem nada a ver com mau gosto popularesco, bem ao contrário (pense em Minas Gerais ou nos irmãos Campana).
Por outro lado, é verdade que estamos vivendo uma nova etapa de integração nacional, tanto em termos sociais como geográficos, o que faz com que o País-mainstream descubra determinadas realidades regionais e as incorpore; nesse processo, podem ocorrer hypes, como esses atuais, em torno de manifestações culturais oriundas do Norte e do Nordeste.
É bacana que haja essa interpenetração de estilos e é exatamente isso que está ocorrendo com a chamada “nova MPB”: uma profusão de sons, músicos, artistas e estilos de todas as partes do País, convergindo e interagindo democraticamente, promovendo uma nova síntese entre as periferias e os centros urbanos. Porém, em que pese o nosso apreço pela Gabi Amarantos ou pelo Felipe Cordeiro, essa história vai muito além do tecnobrega, um estilo que a mídia escolheu para ser a nova axé music. Eles que se cuidem.
E não vai, aqui, nenhum juízo estético elitista ou negativo em relação a esses estilos, que estão aí, como todos os outros, para ser consumidos o mais rapidamente possível, como está acontecendo com o neo-cafona. Ou melhor: já aconteceu… Portanto, a rigor, ele nem pode mais ser visto como tendência. (Dario Caldas)