O QUE T2 TRAINSPOTTING (NÃO) NOS DISSE SOBRE A “VOLTA” DOS ANOS 1990

 

Nas últimas temporadas, a moda vem reeditando tendências da década de 1990, da influência do street style à revisão do desconstrutivismo belga, do grunge ao uso do Neoprene, entre outras. Há sinais que sugerem um novo interesse pelo período, como a volta da série icônica Twin Peaks, de David Lynch, anunciada para este ano. Por outro lado, boa parte da Geração X, os jovens da época, agora atingem aquele ponto da vida em que se começa a reavaliar a própria juventude. Já que o lançamento de T2 Trainspotting – a continuação do filme cult de 1997, do diretor Danny Boyle – se enquadra nessa onda, fomos ao cinema conferir, com uma pergunta na cabeça: existe mesmo um revival potencial dos anos 90 em gestação?

T2 Trainspotting e a volta dos anos 90 ODES
O mesmo elenco de 1997: Ewen Bremner, Ewan McGregor, Jonny Lee Miller e Robert Carlyle.

Existe um revival dos anos 90 em gestação?

Para começar, é claro que a história dos quatro amigos escoceses de classe média baixa, às voltas com “drugs, rock’n roll & trambiques”, é bastante específica de um grupo e não pode ser generalizada para uma geração. Aliás, esse é um primeiro ponto: o filme até pode fazer rir em alguns momentos, mas o que fica, no final, é um gosto amargo pela vida trágica dos personagens. Nesse sentido, parece que o juvenismo – a ideia de uma juventude ampliada e sem limites, tendência detectada pelo ODES e que emergiu com força naquele período – cobrou seu preço em relacionamentos destroçados e numa eternização do comportamento adolescente. Um dos protagonistas condensa essa ideia numa frase, ao afirmar que eles são “turistas da própria juventude”.

Somos turistas da nossa própria juventude

Em consequência, outro traço visível é a baixa expectativa que os personagens têm com a vida. Quando se é jovem, a expectativa é recheada de esperanças. Já aos 40 e tantos, é a ansiedade que começa a ocupar esse lugar. Aliás, a ansiedade e as academias de ginástica. Esse lado mais saudável do juvenismo também fica evidente no filme, com a busca de uma relação mais equilibrada dos homens (os “novos homens” de então) com o seu corpo, de modo a obter um controle maior sobre a própria existência – o que vale até para os detonados ex-junkies.

O "novo homem" dos 90's pôs fé no juvenismo e no corpo como redenção.
O “novo homem” dos 90’s pôs fé no juvenismo e no corpo como redenção.

Embora a narrativa se fixe nos paralelos entre os dois filmes como truque para despertar as lembranças da plateia – o que funciona – a ideia de uma continuidade entre os dois momentos (1997-2017) deve parar por aí. Senão, o resultado é uma realidade que só faz sentido na ficção, e olhe lá. É o caso, por exemplo, dos poucos jovens que aparecem na ação, como filhos dos protagonistas, com um comportamento completamente submisso, muito distante da realidade do jovem empoderado de hoje.

1997-2017: Mudanças socioculturais muito profundas

A verdade é que os últimos vinte anos trouxeram mudanças sociais e culturais muito profundas. Só para assinalar algumas transformações, os anos 1990 deram espaço para o surgimento do politicamente correto, que hoje está em pleno processo de desconstrução. Embora o uso cotidiano da internet já existisse (no Brasil, a partir de 1996), a revolução da web 2.0 só veio depois dos anos 2000. O fast fashion foi uma invenção daquela década, que tinha a moda como uma espécie de epicentro do mercado – ambos, moda e fast fashion, sob uma saraivada de críticas nos estilos de vida atuais. Um raro momento em que as diferenças abismais entre as duas épocas surgem no filme é a cena do clube noturno atual, em que jovens Ys muito mais agregados (como afirmamos no estudo DEPOIS DE AMANHÃ), em plena catarse grupal, estão a anos-luz da experiência clubber dos anos 90.

Não se pode transportar, automaticamente, a saudade da juventude, no plano individual, para a nostalgia de uma época, no plano sociocultural

Volta da estética anos 90 na moda jovem
Volta da estética anos 90 na moda jovem

Enfim, é preciso ter em mente que a saudade da juventude, no plano individual, não pode ser apenas transposta como “nostalgia de uma época”  no plano sociocultural (esta, condição necessária para que um revival ocorra). A ideia de nostalgia é um argumento muito repetido quando se tenta justificar a volta cíclica dos estilos e dos fenômenos de moda, mas, nesse caso, nada acrescenta, nem cabe.

Para nós, ficou, ainda, a confirmação de que o mercado precisa de mais informações sobre o comportamento dos indivíduos das faixas dos 40-50 anos, que estão, inclusive, em vias de conquistar o poder – ou que já chegaram lá. Com esse objetivo, o Observatório de Sinais está realizando o estudo autoral VOCÊ, CIDADÃO, cuja etapa atual, um questionário online, está aberta a participações de pessoas de mais de 35 anos (Ficou interessado? Mais informações aqui).

Odes