O QUE TENDÊNCIAS E EPIDEMIAS TÊM EM COMUM?

Por Dario Caldas

Foto: Patrick Fore

Longe de querer glamourizar a crise gravíssima que atravessamos, vale a pena refletir um momento sobre as relações entre os conceitos de tendência e epidemia, que, de fato, conversam entre si desde sempre.

Para começar, ambos os temas fazem parte da sociologia da difusão, uma área que procura explicar como determinados fenômenos se disseminam pela sociedade. Aí se encaixam, também, as abordagens sobre a estrutura e o funcionamento dos fenômenos de moda e a difusão da informação, de modo mais amplo.

Oriunda desse universo conceitual, a ideia de que “a lógica da peste é não ter lógica” é bastante citada. Ou seja, a epidemia ceifa suas vítimas democrática e indiscriminadamente. É verdade, por outro lado, que as condições materiais da vida das pessoas e seu pertencimento a grupos mais frágeis, definidos em cada caso, acabam tendo um papel decisivo – como estamos vendo, agora, com os idosos. Não obstante, epidemias atingem a tudo e a todos, alcance esse que é potencializado quando se trata de uma pandemia.

Assim também são as tendências, especialmente aquelas que se difundem a ponto de se tornarem fenômenos de massa. É incrível, aliás, como a internet e a globalização redefiniram a velocidade da difusão das tendências blockbusters, especialmente produtos culturais, como vídeos, hoje contados aos bilhões de visualizações. Na mesma linha de raciocínio, o livro 50 Tons de Cinza ficou marcado por ter sido o bestseller que alcançou a marca do primeiro milhão de leitores no mais curto prazo da história (11 semanas).

Crise e criatividade: releitura de logos icônicos pelo designer esloveno Jure Tovrljan. Fonte: redes sociais.

Em seu livro O Ponto de Desequilíbrio, Malcolm Gladwell faz referência ao modelo da epidemia para explicar a difusão das coisas consideradas cool entre os jovens. Bem antes dele, especialmente nos anos 1950-60, o uso do termo “coqueluche” para designar novas modas foi extremamente popular, tanto na França, onde se originaram a palavra e o significado específico, quanto no Brasil.

O nome de uma doença altamente contagiosa para designar tendências de ciclo curto, como o são os fads (modismos), é em si bastante esclarecedora das relações que esboçamos aqui, e aponta, num caso como no outro, para a sua capacidade inerente de transmissão entre indivíduos. Fads são fenômenos passageiros, mas podem penetrar profundamente – viralizar (sic), como se diz hoje – em grupos ou sociedades inteiras. Alguns autores os comparam a “epidemias mentais” para tentar explicar esse processo que toma as pessoas de roldão, repentina e instantaneamente. Poderíamos citar, como exemplo bem atual, as dancinhas e “coreôs” com que famosos e anônimos estão inundando nossos feeds, do Instagram ao TikTok.

A grande praça dos modismos, hoje, são as redes sociais, que cumprem, cada vez mais, o papel que antes era das ruas.

De todo modo, é preciso haver algum tipo de contato – outra noção essencial – para que a transmissibilidade se estabeleça. Ao contrário da epidemia, que depende de contato físico, na difusão de tendências às vezes basta o contato visual com a informação ou, simplesmente o “ouvir dizer”, para impulsionar a corrente (caso exemplar da fofoca). A grande praça dos modismos, hoje, são as redes sociais, que cumprem, cada vez mais, o papel que antes era das ruas. Por isso, se o distanciamento social é uma atitude necessária para frear a pandemia, ele não seria suficiente para estancar as tendências.

Em tempos de imersão sem freios nem culpa na vida digital, o mais provável, ao contrário, é que a formação e a difusão de tendências se acelerem ainda mais.

Neste presente turvo em que navegamos praticamente sem bússola, há algo muito potente sendo apontado por diversos observadores do nosso tempo: a possibilidade de que a grande crise do coronavírus transforme radicalmente a sociedade e a cada um de nós, abrindo espaço para novos comportamentos, mais desejáveis, altruístas e empáticos. Não foi o que aconteceu pós- 2008, na última grande crise do capitalismo, quando muitos apontaram para essa mesma direção. Talvez, agora, por termos uma situação muito mais grave e que toca física e individualmente a todos nós, estejam dadas as condições para uma virada de mesa civilizacional na proporção de uma ruptura. O fato é que os anos 2020 já se anunciavam “transformadores” muito antes de tudo isso acontecer, mas ninguém sequer sonhou com o atual cenário de disrupção.

Como dizia o insuperável Alvin Toffler, usando de sua fina ironia, fazer previsões é muito difícil, especialmente em relação ao futuro. Aliás, Toffler tem outra frase célebre que cabe bem aqui: “mudança é o processo no qual o futuro invade nossas vidas” e, ao que tudo indica, ele chegou enfiando o pé na porta.

No próximo artigo, vou analisar algumas tendências emergentes no quadro da crise do coronavírus e como elas podem indicar direções e oportunidades para as empresas.

Dario Caldas