Westwood, manifesto e “exotismo”

Por Dario Caldas

O grande evento da temporada de moda que se encerra hoje em São Paulo foi, sem dúvida, a passagem da estilista inglesa Vivienne Westwood pela cidade. Os pontos fortes foram a sua exposição de sapatos e a leitura do manifesto “Resistência ativa contra a propaganda”. É engraçado, mas as pessoas continuam tendo atitudes disparatadas diante dos estrangeiros. Sim, Westwood é uma das mais importantes estilistas do século XX, e “só” por isso seu trabalho merece o maior respeito. Mas os comentários sobre o tal manifesto em geral variaram do deslumbre puro e simples ao julgamento equivocado e superficial (do tipo “ela é contra a propaganda, mas quer vender caro suas roupas” etc.). Quem se der ao trabalho de ler atentamente o mesmo, verá que não se trata de propaganda no sentido estrito de publicidade, mas no sentido político de dominação ideológica – não por acaso, o próprio Hitler “aparece” no texto, entre tantas outras citações do universo das artes e da filosofia – uma vez que o objetivo é alertar contra a mediocridade globalizada e o recurso à arte como única forma de objetividade e de antídoto ao vazio cultural. Ao contrário de muitos estilistas, Westwood tem idéias e tem o direito de expressá-las, mas isso não significa que ela é genial o tempo todo.

O problema é que Westwood defende, como era de se esperar, que a moda faz parte desse combate, e que as pessoas devem buscar a todo custo a sua auto-expressão, inclusive pelo modo de vestir. Pode-se até concordar e defender essa idéia também, mas não é o que passa, hoje em dia, pela cabeça da geração 2000. Essa ansiedade de se expressar pela roupa é muito anos 80, muito datada, eu diria. Hoje, tem tanta coisa que ocupa o mesmo lugar, as tecnologias abriram tal espaço de possibilidades para a auto-expressão, que a roupa simplesmente deixou de ser o elo central da cadeia de articulações expressivas da subjetividade, como parece ter sido para a geração anterior. Não é de estranhar, portanto, que a neta de Vivienne não consiga entender o jeito como se veste a avó porra-louca, tão século XX.

Nem só de loas e de louros se fez a passagem de Westwood por São Paulo. A gafe do hotel Unique (“não fico aqui de jeito nenhum”) teve que ser consertada no dia seguinte com a desculpa clássica do cônjuge (“foi o meu marido”), tão burguesa. Mas o show de comentários deslocados teve seu apogeu com o provincianismo de Ruy Othake, autor do projeto arquitetônico, justificando a importância do Unique por sua inclusão na lista 2007 dos melhores do mundo da revista Wallpaper – a qual, aliás, é o tipo de publicação de estilo global, estandardizado, sem riscos e sem surpresas, o tipo de mídia “propaganda”, do ponto de vista do manifesto westwoodiano… Por fim, o que foi aquela declaração da estilista de que ela não pretende trazer o desfile de sua marca a São Paulo, embora considere a cidade “exótica”? Tradicionalmente, exótico é o distante que os europeus desejam que permaneça de preferência beeeem distante. Lady Westwood trai todo o seu eurocentrismo, com esse adjetivo ato-falho, mas quem ainda se surpreende com as manifestações de caduquice da velha Europa?

Para ler o Manifesto (em inglês):

Manifesto Resistência Ativa à Propaganda

Odes
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